“A hematologia não serve apenas para tratar de leucemia”, diz especialista. Saiba mais

Por Lenise Ipiranga, especial para o blog

Entre doenças conhecidas como as anemia e hemofilia, a maioria das pessoas ainda associa a Hematologia apenas com o trato dos casos mais raros de linfomas e leucemias. Mas a hematologia é a especialidade médica que estuda e trata as doenças do sangue e de órgãos onde se formam as células do sangue, conforme explica o hematologista da equipe multidisciplinar da Sensumed Oncologia, Dr. Vinícius Renan Pinto de Mattos.No hemograma é possível investigar os glóbulos vermelhos, para anemias; os glóbulos brancos, para a imunidade; e as plaquetas, para a coagulação. E todo médico é capacitado para identificar alguma alteração. Na maioria dos casos as pessoas são encaminhadas ao hematologista por outros médicos, pois dificilmente procuram um hematologista logo de início, para fazer uma consulta. “E, ao serem encaminhadas, chegam muito apreensivas para a consulta, pois quando se fala de hematologia se pensa logo em leucemia, que é um câncer que afeta os glóbulos brancos do sangue e que se desenvolve na medula óssea. Sendo que a leucemia é minoria nas doenças que o hematologista acompanha, por se tratar de uma área que abrange todas as doenças do sangue”, esclarece Dr. Vinícius Mattos.

A hematologia envolve todos os elementos da composição do sangue – glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas –, os distúrbios de coagulação (sangramentos e tromboses),  e também a parte da hemoterapia, transfusão de sangue, coleta de sangue de doador e transplante de medula óssea, detalha o especialista. E acrescenta que a hematologia é uma especialidade muito abrangente, mas que se sabe muito pouco sobre seu alcance. E por tratar de doenças não muito comuns também, é vista com distanciamento.

 Doenças Benignas

“Costumamos dividir a hematologia em doenças benignas e na oncohematologia, que trata cânceres do sangue e gânglios linfáticos, popularmente chamados de ínguas,” frisa o especialista. E destaca que sobre as doenças benignas quase todo mundo já ouviu falar, das quais as mais comuns são as anemias e os distúrbios de coagulação em geral como, por exemplo, a hemofilia. E no grupo da oncohematologia, as doenças principais são os linfomas, as leucemias e o mieloma múltiplo.

Dr. Vinicius Mattos observa que por se tratar de uma doença extremamente comum, a anemia é uma doença pouco valorizada. As causas são muito variáveis, podendo ser primárias, quando o problema é na medula óssea, na fábrica do sangue; ou secundárias a outros problemas clínicos, como hipotireoidismo, insuficiência renal e doenças reumatológicas. E aponta que a maioria dos médicos está capacitada para acompanhar e diagnosticar as anemias mais básicas e, não necessariamente precisam do acompanhamento do hematologista.

A causa mais comum da anemia é a deficiência de ferro, salienta o médico. E no Brasil, principalmente, é mais comum encontrar tal deficiência de ferro, pois a maioria da população é de nível socioeconômico mais baixo, com a alimentação mais precária, a exemplo da população ribeirinha da região Norte, onde as pessoas se alimentam mais de peixe e farinha. “O ferro está presente, principalmente, nas carnes vermelhas e em alguns vegetais. E aqui na região Norte, nossa dieta é mais de carnes brancas, que são os peixes, e muita farinha, que é só carboidrato. O ribeirinho se alimenta de peixe e farinha, basicamente, então não tem ferro na dieta, por isso é mais comum encontrar deficiência de ferro nessa população”, avalia Dr. Vinicius Mattos.

O especialista acrescenta que o ferro também é uma deficiência comum nas mulheres em idade fértil, por isso é preciso observar o período e o histórico menstrual, pois, em mais de 90% das vezes, vai se constatar que a mulher com um fluxo muito forte, com perda de ferro todo mês e maior propensão à anemia. “Mas não é normal a pessoa passar meses ou anos com anemia, nesse caso é preciso procurar o hematologista,” alerta o médico.

E além da anemia, tem também os distúrbios de coagulação, explica o hematologista. “Todos que vão se submeter a uma cirurgia fazem um teste de coagulação, incluído no risco cirúrgico, para avaliar se está tudo em bom  funcionamento e evitar alguma surpresa de sangramento na hora do procedimento. Nesse sentido, há uma infinidade desses distúrbios, pois temos vários fatores de coagulação”, enfatiza.

No geral, essas são as doenças benignas, que todos já ouviram falar: anemias falciformes, talassemias e hemofilias. Mas tem também doenças que ficam muito concentradas nos hemocentros, por serem raras, com poucos eventos na população em geral, como é o caso das anemias hemolíticas, autoimunes e púrpuras.

Oncohematologia

O que mais assusta as pessoas são as leucoses, que são as leucemias agudas. A doença teve muita visibilidade na televisão, lembra o especialista, com a novela (Laços de Família) onde a personagem (Camila) da atriz Carolina Dieckmann apresentou uma leucemia e precisava de um transplante, inclusive com cena de raspar o cabelo. “Mas são doenças muito raras, a incidência que se espera é de 3 a 5 pra cada 100 mil habitantes, é muito pouco. E além de rara, alguns pacientes podem ter até 80% de chance de cura, dependendo de fatores como idade, tipo de leucemia, presença de outras doenças associadas,” esclarece.

Além das leucemias, tem os linfomas, que são tumores sólidos do sistema linfático, como os casos dos atores Reinaldo Gianechini e Edson Celulari, e da ex-presidenta Dilma Rousseff, os quais tiveram linfoma não-Hodgkin.

O nome da doença de Hodgkin e da variação da doença chamada não-Hodgkin, conta o médico, teve origem no século 19, quando o patologista Thomas Hodgkin identificou que algumas pessoas tinham tumores grandes no sistema linfático, os quais receberam o nome de doença de Hodgkin. Passado alguns anos, outros patologistas identificaram uma célula que é característica desses tumores, que se chama de célula de Reed-Sternberg, a qual apresenta uma forma de olho de coruja (na visão microscópica), e trata-se de células gigantes, multinucleadas, encontradas no linfoma de Hodgkin. Depois de um tempo, continua Dr. Mattos, foi identificando-se que alguns outros tumores, de características semelhantes, não tinham essa célula específica. E foi quando se fez a distinção de que os tumores com células de Reed-Sternberg eram de Hodgkin, e os que não tinham tal célula eram não-Hodgkin. Existem poucas variações dos linfomas de Hodgkin.

O hematologista ressalta que as duas doenças aparecem de forma semelhante, geralmente são linfonodomegalias, que são as ínguas, na região do pescoço, axila e virilha. “As doenças de Hodgkin são mais comuns ocorrem em uma idade mais jovem, mas também tem o segundo pico de incidência por volta dos 50 a 60 anos. Enquanto os linfomas não-Hodgkins tem uma incidência mais variável, sendo uma doença de pessoas um pouco mais velhas, após os 40 anos de idade, na maioria”, informa.

Infelizmente, segundo Dr. Mattos, não há prevenção para o surgimento desses tumores linfáticos. E acrescenta que, diferentemente dos tumores sólidos, como o câncer de pulmão ou de colo de útero, onde se tem um fator que sabidamente causa aquela doença, na maioria dos tumores hematológicos não tem uma causa conhecida.

“O que já sabemos é que os tumores aparecem por alterações genéticas no DNA, mas não são hereditárias, até existem algumas síndromes hereditárias que apresentam uma tendência a desenvolver tumores. Mas, em geral, como são tumores de aparecimento muito tardio, após a quarta ou quinta década de vida, não caracteriza que se herdou um problema hereditário dos pais. Geralmente o que se identifica é uma alteração no DNA desenvolvida ao longo da vida do paciente”, pontua o especialista.

E acrescenta que não há motivos de causa ou efeito, como ocorre para quem fuma que tem uma chance maior de ter câncer de pulmão. Mas existem associações, como a exposição à radiação ionizante (exames radiológicos como tomografias e radiografias), derivados do petróleo e do benzeno (encontrados na indústria química e produção de combustíveis) e algumas infecções virais. E para alguns casos existe associação bem especifica, explica Dr. Vinícius Mattos, e cita o exemplo da África, continente que registra muitas ocorrências do vírus de Epstein-Barr (EBV), que está relacionado ao linfoma de Burkitt, que nesse caso a associação fica bem clara para esse tipo de tumor. Mas a maioria dos outros tumores não tem uma associação.

Ainda sobre o surgimento dos tumores, o hematologista lembra de que ao longo da vida se desenvolve a imunidade, desde quando um bebê nasce, com a imunidade praticamente zerada, e ao longo da vida toma vacinas, tem infecções e cria imunidade, por exemplo, contra o vírus da catapora ou contra a tuberculose. E para criar tais imunidades contra diferentes bactérias e vírus, o sistema imune precisa fazer muitas adaptações. “E todo dia formamos milhões e milhões de células cancerígenas, mas nosso corpo previne que essas células se multipliquem. E os linfomas e as leucemias são células que sobrevivem a essa defesa do organismo e começam a se acumular”, enfatiza Dr. Mattos, ao complementar que todos os cânceres têm a mesma base de reprodução, a partir de células que o corpo não consegue eliminar ou para de reconhecer como células defeituosas e então se multiplicam. “As alterações são feitas todos os dias no DNA, milhões e milhões de vezes no nosso corpo, às vezes uma dessas células escapa do sistema imune, prolifera-se e surge o câncer. Também é sabido que tais células têm vários sistemas de defesa para prevenir a própria morte, mas a ciência ainda não explica porque o sistema imune deixa de reconhecer ou deixa escapar uma célula defeituosa”, completa.

Sintomas

Infelizmente, observa o hematologista, não existe um exame específico para detectar precocemente os linfomas e as leucemias, como acontece no check-up anual, quando todos fazem basicamente algum exame de sangue, ultrassom de abdômen, raio X de tórax,  homens fazem PSA para prevenir o câncer de próstata e mulheres fazem o preventivo do câncer de colo de útero. “Pode até acontecer de identificar em alguma nodulação no raio X ou ultrassom, mas é raro aparecer no exame sem dar sintomas. É mais comum, a própria pessoa notar em si mesma um carocinho no pescoço, na axila ou na virilha, e procurar um médico para investigar, geralmente provoca sintomas”, alerta.

Dr. Vinícius Mattos explica que as leucemias são divididas em agudas e crônicas. Nas leucemias agudas a pessoa sente mal-estar e fraqueza, porque a doença evolui rapidamente com a substituição da fábrica do sangue por células doentes. “A fábrica do sangue produz todos os dias milhões e milhões de glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas. E, de repente, uma célula defeituosa começa a se multiplicar, toma o espaço da fábrica e impede a produção das células normais. A pessoa começa, então, a evoluir com uma anemia de rápida instalação, de uma semana a um mês, podendo apresentar sangramento e infecções, dores ósseas, manchas, hematomas, surgimento de gânglios”, orienta o médico. E nas leucemias crônicas, na maioria dos casos, não há sintomas. “A pessoa não sente nada. E ao fazer um exame de sangue é detectada uma alteração nos glóbulos brancos, encaminha-se para o hematologista para investigação e diagnóstico,” acrescenta.

No caso dos linfomas, existem os indolentes, os quais apresentam poucos sintomas; e os agressivos, os quais apresentam sintomas clássicos de febre, perda rápida e inexplicável de peso, e sudorese (suor excessivo), principalmente à noite; mas pode ocorrer também prurido, uma coceira inexplicável, e surgimento de ínguas.

Tratamentos

No tratamento de doenças oncohematológicas parte-se do principio de que doenças agudas, com sintomas imediatos, precisam de tratamento imediatamente, afirma Dr. Mattos. Já as doenças indolentes ou crônicas, precisam de acompanhamento a cada dois ou três meses, com exames físico e laboratorial, pois, muita das vezes, ao diagnóstico não haverá necessidade de tratamento imediato, levando-se em consideração as repercussões na qualidade de vida que a doença pode vir a provocar e os efeitos colaterais relacionados ao tratamento, complementa.

Os tratamentos são baseados em protocolos internacionais, podendo ser utilizadas combinações de quimioterapia, imunoterapia e radioterapia. Segundo Dr. Mattos, leucemias em geral não necessitam de radioterapia, mas para os linfomas pode se utilizar a radioterapia complementar, dependendo do estadiamento. Dependendo da doença, alguns tratamentos podem ser feitos em nível ambulatorial, sem internação hospitalar, com protocolos e datas bem definidos.

Dr. Vinícius Renan Pinto de Mattos é responsável pela hematologia na clínica Sensumed Oncologia; graduado em Medicina pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Residência Médica em Clínica Médica, no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV/UFAM); Residência Médica em Hematologia e Hemoterapia no Hospital Israelita Albert Einstein/SP; Título de Especialização pela Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular; e Residência Médica em Transplante de Medula Óssea, no Hospital Israelita Albert Einstein/SP. Atua na Fundação Hematologia e Hemoterapia do amazonas (Hemoam); e coordena a hemoterapia do Hospital Adventista.

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