Retalhos de Cetim (da Mocidade Independente de Aparecida)

Por Maurício Andrade*

“Não ensaiei meu samba o ano inteiro” e que saudade dos ensaios na quadra; que saudade do “Aparecida convida”, que saudade dos ensaios da Xavier de Mendonça; da Bandeira Branca; do bairro do Céu; da Leonardo Malcher, da orla do bairro da Glória; que saudade de pintar rua; que saudade do trabalho de organizar a escola; que saudade de ter raiva com o Favela; que saudade da chatice do Cangalha; “não comprei surdo e tamborim” porque um maldito vírus nos impede de sorrir e de brincar.

Um governo imundo conduz mal essa pandemia, tanto que a maior festa popular do Brasil vai ter que ser comemorada de dentro de casa; não teremos o surdo; não termos o tamborim; não teremos a bateria da Aparecida; não teremos a universidade do ritmo; o surdo não tocará; as caixas não despejarão ritmo; os repiques não irão chamar para o samba; os tamborins não farão a alegria; a cuíca não roncará; cavacos não chorarão e violões não acompanharão; destaques e componentes não “Gastarão tudo em fantasia”. Suas fantasias estão guardadas, junto com suas alegrias, suas capacidades de festejarem.

“Era só o que eu queria” era desfilar como faço desde 1981, na Djalma Batista e de 1992 no sambódromo; mas não dá. Em 1991 não foi possível por conta da irresponsabilidade com a cultura do prefeito de Manaus; em 2021, a irresponsabilidade é geral e eu não posso desfilar e cumprir com a obrigação para o qual foi criada – FAZER CULTURA”.

Comecei lá traz com Santos Dumont até chegar aos rituais; comecei saindo da janela. Brinquei em crenças e festas brasileiras; fiz carnaval nas galáxias; voltei para o bairro das cornetas, por que não dos tocos; festejei caprichosamente o meu carnaval garantido; olhei as raízes e os matizes; proseei de verso a verso; quebrei patuás; cantarolei com a razão da minha vida; exaltei Ribeiro Junior; perguntei que zona é essa; pintei o sete; foi na konkendê e na mabelê; visitei um parque de anjos; viajei em um gaiola; dei uma volta no Igarapé do Espirito Santo; imaginei o galo fazendo 100 anos; fiz uma viagem com a princesa Leopoldina; fui no rabo do cometa; olhei o boto sinhá; fui a Coari; passando pelo Porto de Manaus; com o filhos da águas; fiz de Manôa – Manaus, Meu Amor, Meu Carnaval; festejei 25 anos; comemorei a Zona Franca; fui ao SESC; fui ao cinema; combati a pirataria; exaltei o verde; abri um Facho de Luz; temi MMXII; viajei pelo Rio das Ykamiabas; olhei por centro com alma de um povo; conhecei o Acre; encontrei com a Majestade; agradeci a Padroeira; revivi Maués; e fui aqui do lado no Pará; e, transformei a avenida em um grande ritual.

“Jurei desfilar pra mim”, e desfilei por 40 anos. “Não estarei tão bonita”, mas estarei aqui, resistindo, lutando por minha cultura, por minha identidade, por minha VITAE; “Era tudo o que eu queria ver”; ERA TUDO QUE EU QUERIA SER NO DIA 13 DE FEVEREIRO DE 2021.

Não serão retalhos de cetim, porque estamos em retalhos de tanto lamentar; eu podia “dormir o ano inteiro e jurar desfilar pra mim”; “Mas chegou o carnaval e eu não vou desfilar”, a Mocidade Independente de Aparecida não vai desfilar e todos vamos chorar em casa, porque nunca pensei “que mentia a cabrocha que que eu tanto amei”.

Não vou estar lá, no palco das ilusões; não estaremos lá, nos divertido, fazendo o que mais gostamos, festejado a VITAE. Não vão os novos, nem os velhos e nem os que já se foram. Mas sairemos da janela e com o ritual da vacinação, vamos festejar a VITAE EM 2022. Um grande abraço a todos nós que somos da Aparecida; um beijo no coração de todos os sambistas das coirmãs. 2022 vem ai!

*Professor e ex-dirigente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade Independente de Aparecida