Tenho procurado reconstituir passagens da vida de Manaus antiga e trazer essas informações ao conhecimento do leitor que me confere a honra de acompanhar meus textos. Pode até ser que para alguns nada disso soe como novidade, mas imagino que a grande maioria desconheça notícias dessa natureza por falta de trabalhos que refiram tais cenários urbanos.
No ano de 1878, a capital da província do Amazonas recebeu dois viajantes-pesquisadores, os irmãos Luiz e Jorge Verbrugghe, belgas de nascimento, em “excursão” pelas densas florestas, a qual motivou estudo de E. Taunay e que agora nos permite recuperar um pouco da paisagem da cidade, de modo que seja possível contribuir em pesquisas sobre a vida citadina às vésperas da elevação da exportação da borracha (1880).
Na ocasião, havia um único e modesto hotel com mínimas condições para receber viajantes ditos ilustres, mas a hospitalidade do povo já se fazia sentir, o que se demonstra no exemplo de um brasileiro que deixou o aposento hoteleiro para permitir a instalação dos belgas.
Uma breve descrição feita por eles a respeito do cenário urbano, em certos aspectos, nos deixa com água na boca de tanto desejo de usufruir de tal tranquilidade. Eles contam que havia quatro igarapés que rasgavam a cidade com águas límpidas e a cercavam por todos os lados. Diversas pontes a ornavam, mesmo com simplicidade. Muitas casas se achavam entre palmeiras, bananeiras e capinzais, e outras em ruelas com flores deslumbrantes pelo caminho.
Ostentando o pomposo título de “palácio”, os prédios do Tesouro, Alfândega e sede da Presidência eram, na verdade, casinholas cobertas de telhas, sem forro e completamente sem luxo, como tudo que havia em razão de um governo provincial longe de ser rico, como assinalado pelos estrangeiros. A igreja matriz estava em obras, mas seu custo já era maior do que o dispendido para a construção do Teatro de Belém, e “era uma granja munida de dois campanariosinhos”, isso ao custo que atingia dois milhões e meio de francos. Cidade plana, com duas cachoeiras a menos de três milhas do centro: a primeira com água fria, e a maior com “um rincão delicioso”, mas água ainda mais fria e queda de alguns pés. Os indígenas, quase todos muito conversadores, respondiam a tudo que fosse perguntado, enquanto os brancos ficam sempre silentes, em qualquer situação.
Mesmo sendo um lugar pobre, havia alguns requintes, pois, aos domingos, os trajes da grande maioria dos moradores eram chiques, sendo que, para os homens, era quase obrigatório o uso de sobrecasaca preta, abotoada, pesada cartola, peitilho na camisa, luvas e sapatos de verniz e, para as mulheres, era costume estarem em roupas de seda importada, apesar do calor infernal e de não haver destino mais nobre para tanto requinte, talvez para demonstrar que era uma cidade de elevada civilização, embora boa parte da população branca fosse de funcionários, pois os belgas assinalam que, dos cinco mil habitantes, três mil recebiam verbas do Tesouro.
Mesmo depois da autonomia política (1850), o quase lugarejo era submetido a taxações absurdas cobradas pelo governo do Pará sobre produtos que adentravam ao Rio Amazonas, razão pela qual o que mais se falava era na necessidade da instalação de um banco europeu para fugir dos juros paraenses que eram altos, chamados de sanguessugas pelos belgas-visitantes.
Padecendo da distância e dificuldades de transportes e comunicações, as ordens imperiais chegavam a Manaus com três meses de retardo, mas foi deste porto que os belgas partiram na igarité “Boa Esperança”, com um cozinheiro branco e um tapuio, mais o escocês Mr. Harvey, levando café, açúcar e bolacha, até embarcarem no vapor “Óbidos” e subir o rio para caçar, mas não se sabe muito bem o que caçaram.
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