Vaidades das vaidades

Por Carlos Santiago*

Somos diariamente cobrados pela família, pela sociedade, pelo namorado (a), pelo mercado e até pelo Estado: ter uma profissão é necessário; é preciso ganhar muito dinheiro para comprar bens materiais; é preciso status; é preciso conquistar um ótimo namoro ou casamento perfeito; é preciso estar no padrão da moda e da beleza; é preciso ser um bom pagador de contas; ser sempre um parceiro (a) ideal na cama. Mas tudo isso também cansa, causa ansiedade, traz infelicidade e cria zumbis em um mundo de mentiras ou aparências.

Há cerca de um ano, dei carona a uma jovem, acho que não tinha mais de 25 anos de idade, bem bonita e cheirosa, daquele tipo de mulher que aparentemente você gostaria de passar a vida inteira sorrindo com ela ou chorando por ela.

A moça queria chegar até o salão de estética onde trabalhava. Encontrei-a na saída de uma cafeteria no Parque Dez, bem cedo da manhã, eu ia trabalhar. Chovia bastante e a jovem pediu uma carona.

Quando ela entrou no carro, lhe perguntei: “a moça é esteticista?” A mulher disse logo que não. Isso não estava nos seus planos de vida e que teria feito uma promessa que nunca iria fazer um curso universitário na vida.

Com o trânsito “carregado”, a jovem começou a falar dos gados que a família dela possuía no município de Coari, do apartamento na Ponta Negra do irmão, dos amigos importantes nos governos e da boa relação com os colunistas sociais de Manaus. E eu, me sentindo um velho, liso e feio perto daquela moça. As histórias continuaram até chegar numa viagem pela Europa.

Ao final do percurso, em frente da empresa de estética, tinha uma senhora aguardando-a. Tão logo ela saiu do veículo, a mulher fala com um olhar de raiva: “estou te esperando há tempo para fazer minhas unhas”.

A moça olhou pra mim com um olhar triste e disse: “você parece ser gente boa gente boa e é um homem muito educado, quer o meu contato?” Naquele instante, em segundos, imaginei todo tipo de convivência com ela, as proibidas e as permitidas, mas respondi, com a alma triste, que não. Estava bem assim. Eu também não sabia se ela estava sendo sincera comigo ou era apenas uma boa mentira.

A conversa com aquela moça me fez lembrar de um outro episódio. Por pressão de um amigo de trabalho, adquiri um veículo zero, pois agora sou advogado e, portanto, tenho que apresentar um padrão compatível. Ainda que tenha, que fazer das tripas coração, para pagar em dia as parcelas do financiamento.

De fato. Somos, muitas vezes, “zumbis” em um mundo de valoração monetária, de cobranças de comportamentos morais e no qual as aparências assumem protagonismo e nem sempre somos felizes.

O escritor Eduardo Galeano diz que “vivemos em plena cultura da aparência: o contrato de casamento importa mais que o amor, o funeral mais que o morto, as roupas mais do que o corpo e a missa mais do que Deus”. O livro bíblico de Eclesiastes explica os erros do ser humano quando afirma que entre o Céu e a terra só existem vaidades de vaidades, nada acontece sem vaidade.

A milenar cultura dos povos tradicionais do México ensina que seremos um dia tão somente uma simples caveira e todos os dias devemos nos lembrar disso para deixar que nossa sede de poder e ambição sejam colocados de lado.

*O autor é sociólogo, analista político e advogado.