O Negão era o cara!

Com esse artigo alcanço a marca de 400 semanas ocupando esse nobre, delicioso e inquietante espaço do Portal do meu mano Hiel Levy.

Domingo passado, quando ouvimos a infausta notícia do passamento do ex governador Amazonino Mendes, até pensei em escrever um post scriptum no meu artigo anterior sobre essa grande figura política.

Não me atrevi pois Amazonino Mendes não merece um texto qualquer tampouco umas palavras de final de artigo.

Muito embora, no meu artigo anterior, eu tivesse desancado contra os políticos e dito umas merecidas verdades a quem milita nessa seara, não retiro uma vírgula do texto que escrevi nem quero agora fazer reticências para me referir de modo menos ácido a uma figura desse meio.

Trata-se, por oportuno, de mais que merecido gesto de reconhecimento e agradecimento da minha parte.

Então vamos aos fatos!

Gilberto Mestrinho, no início da década de 1980, retornou às atividades políticas, anistiado que foi pelo governo militar.

Notadamente que ele se apresentaria, como se apresentou, aos eleitores para novas e frutíferas incursões e realizou excelentes mandatos.

A partir desse novo Mestrinho surgiu uma escola política com bons e maus alunos do Professor de todos.

Na minha humilde opinião, dessa penca de alunos de Mestrinho, o que mais conseguiu capitalizar e capitanear aprendizados políticos e administrativos foi sem sombra de dúvidas Amazonino Mendes.

Lógico que muitos hão de discordar deste articulista porém, mais que opinião, trata-se de vasta convivência com essa extraordinária figura política.

A astúcia política de Mestrinho era a mesma de Amazonino.

O vigor e a gana política de ambos eram iguais.

Até a doce arrogância dos dois se equiparava.

O modus operandi de encarar e destruir adversários era idêntica e até chegaram a romper politicamente por causa do poder.

Os feitos políticos e administrativos e o legado deixado pelos dois são inigualáveis.

Paro por aqui nessa necessária comparação a fim de enveredar no texto sobre essa figura ímpar de Amazonino e vou narrar alguns episódios os quais presenciei, a fim de denotar o que vivi ou assisti em quase dez anos sob os mandatos do Negão.

São episódios do passado os quais carregam consigo as conotações e o perfil do modo afável, duro, eloquente e determinado da figura notável de Amazonino Armando Mendes.

O que vou falar, não falo por ouvir dizer ou que alguém me contou.

Falo com a convicção de quem conviveu e esteve sob o comando administrativo e político de Amazonino, portanto, posso escrever sob a tutela tão somente da minha memória bem recente. E, para todos os episódios que vou narrar, há testemunhas.

Era o mês de dezembro de 1993. Fim de governo para Mestrinho e início do primeiro mandato do Negão.

Eu estava eleito para Diretor Presidente da Fundação Alfredo da Matta.

Amazonino estava montando o governo e atendia a todos no Edifício Aruba.

Passou natal, ano novo e chegou janeiro e minha nomeação não saía pois Gilberto Mestrinho mandou me dizer por intermédio de um dos seus secretários e que depois veio a se tornar conselheiro do TCE, que as nomeações caberiam ao próximo governo.

Amazonino assumiu o governo.

Caí então em campo a fim de obter uma audiência com o ele; finalmente consegui e ele me recebeu lá nesse prédio da Ponta Negra.

Chegando por volta das onze horas, o apartamento estava apinhado de gente entre secretários, políticos, empresários, gente da magistratura e eu, no meio deles, aguardando ser chamado.

Lá pelas quinze horas o Negão me pega pelo braço e me leva até à sacada do apartamento e ficamos só nós dois.

Foi logo perguntando que que estava acontecendo.

Quando ia começar a falar ele me interrompe e diz: -Ronaldo, sabes quem é aquele homem que está saindo daquela Brasília lá embaixo no estacionamento?

Olhei e, além de não conseguir enxergar quem era por causa da distância, de fato eu não sabia mesmo de quem se tratava.

Ele então se virou pra mim e falou:-Aquele homem será meu comandante da PM. Ele é a figura mais honesta, humilde e determinada que eu conheço. Procure saber quem é e se espelhe nele.

Algum tempo depois, esse Coronel Comandante da PM por uma dessas felizes coincidências, um dia precisou dos préstimos da Fundação Alfredo da Matta e, a partir daí, ficamos muito amigos e ele era de fato uma figura extraordinária.

Prosseguindo, então ao Amazonino, que eu ainda não estava nomeado ele quis saber porquê.

Aí ele chamou o secretário de saúde que era empresário e médico, porém, como médico, nunca havia prescrito na vida uma Cibalena.

O Negão perguntou a ele o que estava se passando para que minha nomeação não tivesse saído.

O secretário falou então que havia um problema interno com uma tal freira e disse lá umas bobagens dignas de irem para o lixo da história.

Amazonino dispensou o secretário, me perguntou sobre o processo seletivo interno, falei a ele que eu tinha vencido a eleição com um voto de diferença e ele então tascou:-Ronaldo, eu também fui eleito pelo voto do povo e assumi o governo. Vai pra fundação mete o pé na porta e comece a trabalhar porque a saúde não pode esperar.

Ele chamou o chefe da Casa Civil e determinou que minha nomeação saísse no diário oficial do dia seguinte.

Mas essa quase saga da minha nomeação não para por aí.

Dois meses depois de eu ter assumido a presidência da Fundação Alfredo da Matta, tinha uma audiência marcada com Amazonino.

Me dirigi então para a casa do Tarumã onde ele às vezes despachava.

Reunião marcada para as 14:00 e, de repente, começa uma movimentação geral na casa.

O Negão se dirige ao carro que ele mesmo conduzia. Quando vai entrar no veículo se volta e pergunta: -Cadê o Ronaldo? Não era a hora dele falar comigo?

Vem um ajudante de ordens e me avisa.

Levanto de onde estava e o Negão me chama pra entrar no carro com ele.

Entramos eu e meu diretor administrativo Aluysio Júnior.

Sentei na frente no banco do carona e, no banco de trás, lá estava também o filho do governador como testemunha.

O governador tinha extinguido a Polícia Civil e havia uma clima de quase conflagração nas hostes da segurança pública.

Ele então nos diz que estava se dirigindo para uma assembleia geral de policiais civis no antigo Auditório Gilberto Mendes de Azevedo na J. Nabuco para tentar apaziguar os ânimos.

Amazonino pergunta sobre o assunto da audiência e eu vou relatando a ele.Lá pelas tantas já quase chegando no local da reunião, Amazonino me manda pegar um documento que estava no porta luvas do carro.Era um ofício do Ministro da Saúde o tal economista.Nele o 

ministro, depois de fazer algumas considerações, encerra não recomendando a minha nomeação para presidir a FUHAM.O Negão perguntou se eu tinha lido, falei que sim e ele emendou: -Porra Ronaldo, não sei quais interesses estão por trás dessa gente que faz oposição a você porque já foram longe demais. Quando eu recebi esse ofício, fiquei muito puto e teve em mim a reação exatamente contrária. Eu não me meti na escolha dos ministros do governo FHC, como que um subalterno quer definir por mim quem vai me assessorar numa instituição tão importante?

Amazonino costumava chamar secretários e diretores de instituições públicas para reuniões gerais sempre bem cedo às 07:00.

Já havia acontecido pelo menos umas três reuniões do tipo ora para avaliação ou para passagem de recomendações de governo.

Numa dessas, Amazonino entra na sala, da uma olhada geral nos presentes e diz: -Cadê  aquele rapaz presidente da fundação X? Ele nunca vem para as reuniões! Silêncio e entreolhadas gerais. Aí ele fala: -Fulano, ligue agora para esse rapaz. Se ele não vier para esta reunião estará exonerado.

Quinze minutos depois entra a tal figura com cara de sono, roupa toda amarrotada e com cara de tacho e se senta. A reunião prossegue.

Um dia eu pedi uma audiência ao governador para levar a ele um projeto de saúde.

Enquanto aguardava, uma equipe de TV quis fazer uma entrevista comigo sobre projetos da fundação.

Quando ia começar a gravar, se aproximou um certo secretário que arrogantemente me disse que as entrevistas de membros do governo teriam que passar pelo crivo dele.

Eu, muito inexperiente e de certo modo receoso, engoli o pito.

Quando entrei pra falar com o Amazonino relatei a ele o lamentável episódio.

Na mesma hora ele chamou o tal secretário e, na minha frente, disse que os auxiliares dele tinham autonomia para dar entrevistas sobre assuntos das suas instituições.

O clima não ficou legal e esse secretário nunca mais mexeu comigo ou com a Fundação mas também nunca mais me dirigiu a palavra. Educação e cultura não são pra qualquer um.

Certa feita, durante um jantar de comemoração do seu aniversário na antiga casa do Tarumã, Amazonino se aproxima das mesas dos convidados para cumprimentar a todos.

Eu e minha esposa estávamos numa

mesa ao lado da mesa do deputado recém eleito presidente da Assembleia Legislativa, uma escolha que contrariava o Negão.

Ele se aproxima e de dedo em riste na direção do deputado vocifera: -Ainda bem que você veio rapaz! Não ouse colocar o poder legislativo contra meu governo!

Silêncio geral! Amazonino seguiu em frente apertando a mão um a um dos convidados.

Em outro episódio, eu estava em audiência com ele e entra um ajudante com o telefone sem fio na mão e diz:-É o desembargador!

Amazonino pega o telefone e desanca:-Olha fulano, o juíz tal vai ficar lá onde ele está viu? O rapaz é um bom juíz e tá fazendo um ótimo trabalho. Isso é perseguição do prefeito. Não mova o rapaz de lá sem me consultar.

Depois fiquei sabendo que o tal desembargador era o presidente do TJ.

O prédio novo da Fundação Alfredo da Matta, havia sido entregue sem a menor condição sanitária e de engenharia e levei a reclamação a ele.

Na hora, Amazonino ligou para o secretário de saúde (aquele empresário e médico) e determinou que entrasse na justiça contra a construtora para refazer o prédio em tudo o que no meu relatório expunha de irregularidades com a obra.

Quando ele soube que o engenheiro dono da construtora era amigo dele ligou na minha frente para o sujeito e, contrariado, deu um prazo de seis meses para refazer o prédio.

Uma vez, estando eu em audiência com ele junto com um deputado e secretário, entra uma senhora gestora de uma pasta, e entrega um papel pra ele. Ele lê rapidamente e manda: -Porra fulana tudo isso? Pode cancelar essa m…!

Ele aguarda ela sair e arremata: -PQP! A pedi pra fazerem um coquetel simples pra tantas pessoas e a mulher escolhe o mais caro Buffet, o mais chique e caro local. Tá pensando que dinheiro do governo cresce em árvore? Silêncio total.

Em certo episódio pessoal, eu estava no aeroporto chegando ao Rio de Janeiro e meu pai numa cadeira de rodas a fim de se submeter a uma cirurgia neurológica delicada.

Coincidentemente, Amazonino estava de retorno para Manaus, me viu, foi lá, me cumprimentou e ao meu saudoso pai também, chamou um ajudante e determinou que tudo fosse feito para o que eu tivesse a ajuda necessária enquanto lá estivesse.

Numa ocasião, a Fundação Alfredo da Matta recebeu a visita de uma médico cubano e este me presenteou com uma caixa do mais nobre charuto do país caribenho.

Como não fumava embora tivesse dado umas baforadas em um charuto, lembrei que o Negão era apreciador de um bom Cohiba.

Levei então a ele essa caixa de charutos que ganhei de presente.

Ele, curioso, quis saber onde eu tinha conseguido e disse como.

Ele fez questão de receber esse médico cubano e por longas horas ficaram trocando ideias sobre política, o regime e como a saúde funcionava em Cuba.

Amazonino, foi o único governador a visitar a Fundação Alfredo da Matta.

Depois dele vieram Braga duas vezes, Omar, Melo e agora Lima e nenhum deles teve coragem de por os pés na instituição.

Seria medo de pegar alguma doença dermatológica?

Eu despachava, enquanto Presidente da Fundação Alfredo da Matta, diretamente com o governador. Não havia intermediários pois o Negão gostava de ouvir problemas e projetos, encaminhar e propor soluções ou resolver à sua maneira tudo com sua caneta poderosa e desse modo a saúde caminhava pra frente.

Comparativamente e de longe, o período Amazonino de governo do estado foi o mais prolífico, o mais edificador, o mais tecnológico e o que alcançou maior amplitude para a saúde pública em todos os tempos.

A última vez que falei com o Negão, foi na transmissão do cargo para o governador Wilson Lima em 2019 no Palácio Rio Negro eu recém eleito Diretor Presidente da FUHAM.

O cumprimentei, ele me deu um abraço generoso e liberou um largo sorriso.

Algo mais que político e administrativo nos ligava eu e Amazonino. Eu, meu pai e o Negão temos no Botafogo Futebol e Regatas nosso time de preferência.

O Negão era tão apaixonado pelo Glorioso que chegou a financiar do próprio bolso o passe de um craque estrangeiro que jogou umas temporadas pelo time.

Por tudo isso, reconheço em Amazonino Armando Mendes como uma lenda da política local e regional e tributo a ele meu profundo e sincero agradecimento por tudo o que representou, representa e continuará a representar para a política e a administração públicas.

Pessoalmente e por dever de gratidão, jamais poderia deixar passar uma oportunidade de render minhas homenagens ao Amazonino por tudo o que ele oportunizou pra mim enquanto gestor e para a Fundação Alfredo da Matta e, também, por sempre me tratar com respeito e de ter tido com ele uma amizade.

Amazonino continuará vivo pelo extraordinário legado que deixa para o povo e para o estado que ele tanto amou e se dedicou.

Valeu Negão! Siga na paz.

Té logo!