O diabo na corte

Comecei a ler um livro bastante interessante e muito esclarecedor de um momento da história do Brasil, que, podemos dizer pelos atuais acontecimentos, é a fonte de todos os fatos mais deprimentes pelo qual passa o atual sistema governamental brasileiro. O livro chama-se O diabo na corte: leitura crítica do Brasil atual, de Frei Betto, um frade dominicano. Nele, o autor fala sobre a trajetória do Presidente, de sua candidatura até a chegada ao poder. Outros pontos são alvos de questionamentos: o protagonismo de Bolsonaro, o silêncio da grande mídia e das instituições políticas diante de suas declarações antidemocráticas, as suspeitas de corrupção na sua família, a manipulação das mídias digitais, a atuação das igrejas evangélicas, o projeto “Escola sem partido”, e as estratégias de governar pelo medo.

Mas uma questão me atormentava. E este sentimento divido com vocês. Por que cargas d’água, o título do livro se chama “O diabo na corte”? E mais: quem é o diabo, nessa história. Não tirem conclusões apressadas. É claro, que vocês já leram o conto de Machado de Assis chamado A igreja do diabo. Pois é, o título do livro inspira-se nesse conto. Na verdade, eu vejo mais como uma paródia, e é muito legal.

Segundo Frei Betto, o diabo certa vez decidiu instalar-se na corte de um rei, que se julgava um verdadeiro messias, e que exigia dos seus súditos obediência e devoção. O maligno resolveu logo que iria fazer muita confusão. O rei não gostou nenhum pouco ao ver seus propósitos reduzidos à galhofa.

O que o rei dizia pela manhã era desmentido à tarde pelos seus ministros. Se prometia aumentar impostos, seus acólitos o desmentiam. Se um ministro queria vender um patrimônio, logo o rei dizia que o bem era estratégico para o seu governo. Para aumentar essa babel, o diabo semeou a confusão semântica: as palavras perderam os significados. Decretou-se que as meninas vestiriam rosa, e os meninos, azul. Os daltônicos, desesperados, saíram nus pela rua. Ninguém se entendia. A pluralidade foi banida, vingou a dualidade. Quem não era amigo, era inimigo. Baniu-se o Ministério da Cultura. Pensar passou a ser crime. A dialética deixou de existir. O Ministério do Trabalho deveria acabar, pois só haveriam escravos, e não trabalhadores.

O diabo passou então a agir na educação dos súditos. Para o rei, os monarcas anteriores tinham contaminado o reino com a peste do “ismo”. Afirmava que os súditos ao invés de verde e amarelo, enxergavam vermelhos. Procurou no reino um professor capaz de extirpar aquele mal. Não encontrou. Importou um do reino vizinho. Só ele seria capaz de velar por uma educação desprovida de senso crítico e protagonismo social. O diabo adorou essa higienização mental. Na alfabetização, foi banido qualquer método que associasse palavras às ideias, pois era muito perigoso. A semântica devia deixar de existir, pois fazia mal ao cérebro.

O ministro das relações exteriores falava javanês e ninguém o entendia. O rei dizia ter relações diplomáticas com o céu e com o próprio Deus. Isso deixava os súditos em júbilo. Atualmente, nesse reino milhares de súditos morrem, enquanto o rei passeia de jet ski e promete churrasco para os amigos e apoiadores e brinca de governar. E o diabo? Esse continua agindo, confundindo a todos com tal de método olavismo que nega a ciência, a realidade e adora confusão.

*O autor é sociólogo, analista político e advogado