Por Carlos Santiago*
É um pedacinho das contradições econômicas, sociais e culturais que existem na cidade de Manaus; é uma região formada por bairros sofisticados com boas infraestruturas urbanas, com parques ecológicos, com centros comunitários, avenidas, restaurantes caros, grandes edifícios e casas habitadas por pessoas endinheiradas e de classe média, possui três grandes shoppings centers de padrão nacional; mas é também um lugar de bairros com becos, biroscas, casebres de madeiras, ruas alagadiças e de graves agressões ao meio ambiente.
Nesse recanto, algumas crianças brincam se balançando e correndo nos jardins das escolas particulares e nas áreas sociais dos condomínios. Outras, correm nas ruas sem asfaltos, brincam com pipas, jogam bolas de gude, pulam nas pontes dos córregos poluídos e vendem picolé dentro e fora das escolas públicas para sobreviver.
Neste torrão, o sagrado e o profano dão os braços e se abraçam. Nele, as igrejas de Nossa Senhora de Nazaré e de São José são templos perfeitos para os religiosos da fé cristã adorar seus santos e expandir sua crença em Deus. É também neste lugar que se encontra a casa da mãe Nonata Correa, adepta da religião afrodescendente, com vestimentas brancas, incorporando divindades e conversando com fieis, olho a olho, com cânticos e batuques. Até a tradicional maçonaria se faz presente com suas lojas cheias de segredos e de adeptos solidários, alguns negadores dos costumes religiosos.
Os parques ecológicos são habitats dos pássaros, das cutias, dos macacos, das borboletas e refúgios das famílias e de namorados que vão ali andar entre árvores e flores, principalmente nos finais de semana. Não se trata, porém, de uma região idílica. O avanço do capitalismo trouxe a invasão de áreas protegidas, a redução da fauna e da flora, e a inexistência dos igarapés.
Largas avenidas e ruas que interligam a Manaus do presente à do passado, agora com poucas árvores e um trânsito engarrafado e quase insuportável. Nas alamedas e nas áreas comerciais, os mendigos proliferam-se e refletem a exclusão social e um mundo cada vez mais egoísta.
Aqui as pessoas parecem estar protegidas dos assaltos e das violências das ruas, com carros blindados, com segurança privada e áreas restritas. Entretanto, convive-se com índices altíssimos de roubos e assaltos e com a sensação de medo e de fragilidades. Uma violência que atinge a todos, e com muito mais força os mais humildes, que não possuem proteção privada e nem governamental.
Na Zona Centro-Sul, onde eu nasci e moro, mas também em outras regiões da nossa cidade, são grandes os desafios dos administradores públicos. A cidade vai além do conceito de área urbana. É um lugar das relações mais próximas entre o cidadão e a administração pública, onde as concessões estatais de serviços, as permissões públicas e os atos de governos atingem diretamente a vida.
Precisamos construir coletivamente uma cidade mais fraterna e cidadã. A lei do Estatuto da Cidade completou 18 anos e busca democratizar a convivência e as decisões nos municípios, dando mais responsabilidades aos cidadãos e impondo a administração pública ouvir a população antes do planejamento e da decisão governamental, com o objetivo de levar bem-estar a todos, sem distinção de classe, de cor e crenças, um espaço-cidadão de encontro de culturas e de valorização da vida. Mas falta o Estatuto da Cidade sair do papel, uma missão de todos.
O amor por Manaus deve ser bem maior que seus problemas. Urbe do sol escaldante e das fortes chuvas que ajudam na proliferação de vidas. Nela nasci, encontrei meus amores de alma e de coração, onde chorei minhas tristezas e realizei meus sonhos. Um local de um belo povo, resultado da mistura de cores e de perfeições e imperfeições humanas.
*O autor é sociólogo, analista político e advogado.
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