Governos de boçais

Por Carlos Santiago*

Os últimos fatos protagonizados por governantes do Amazonas e do Brasil levaram-me a tentar achar uma palavra, um conceito, um invólucro definidor desses espíritos que administram esse país. Matutei, matutei, e pensei que talvez a literatura me iluminasse. Criei mentalmente um método de busca e fui… Mas por onde iniciar? Ora, se os governantes são tupiniquins, a literatura nacional é o caminho.

Inicialmente, fiz uma relação direta entre as ações dos governantes brasileiros (os ataques às Universidades Públicas, à Agencia Nacional do Cinema e a suspensão dos ganhos salariais dos servidores públicos) e os temas de Machado de Assis. Não deu certo. O pessimismo original das relações humanas, sempre motivadas por interesses, só me serviu para ficar mais casmurro.

Talvez, o Brasil e o Amazonas sejam dois cortiços, como o de Aluísio Azevedo. Tentei imaginar um João Romão conduzindo o Brasil e o Amazonas com a lógica de que o ser humano é fruto do meio em que vive. Mas se o meio determina o indivíduo, seria Brasília um local de degradação humana? Não gostei.

Tentei aglutinar o nacionalismo quixotesco de Lima Barreto ao binômio pessimismo-angústia de Augusto dos Anjos. Inútil. O major de Lima Barreto sofre de um patriotismo exacerbado, um idealismo cego, enquanto Augusto dos Anjos deixa transparecer divagações metafísicas e uma angústia existencial patente. Já os nacionalistas tupiniquins só possuem ecos de um patriotismo enjambrado, equivocado, irreal e ultrapassado. Na dimensão sentimental, apresentam-se como um Deus-verme. Mas foi em vão.

“Eu empobreço de repente, tu enriqueces por minha causa”, diz Oswald de Andrade. Chegam os iconoclastas, mas os governantes não são Standards de revolucionários, apenas engraxates dos americanos. No caminho tinha uma pedra. Passei por São Bernardo, Vidas Secas, lutei ao lado de Riobaldo e Diadorim, tomei banho nas águas mágicas da Bahia, com Jorge Amado, morri e vivi com o Severino de João Cabral. Até tentei fazê-los comer a barata que o personagem do livro Paixão segundo GH deglutiu. Mas também foi em vão.

Cheguei ao Tropicalismo: “seja marginal, seja herói”. Nada. Mas tenho a certeza que os governantes não são heróis. Fui aos clássicos: Homero, Virgílio, Dante, Shakespeare, Cervantes… Todos eles falam de questões sociais, humanas, e do melhor e pior no ser humano. Em vão. Nenhum deles respondia o meu questionamento. Lembrei-me de Dostoiévski e seu livro O idiota, sobre um nobre decaído, ao mesmo tempo ingênuo e sofisticado, moralista, despido de vaidade e orgulho. Não é o caso. Pensei em Sartre e no seu livro O idiota da família, no qual o autor afirma que o homem é sempre um universal singular, nunca apenas um indivíduo. Foi inócuo.

Olavo de Carvalho, pensador da maioria dos atuais governantes, diz que o idiota é aquele cuja consciência não está nem acima nem abaixo da realidade, mas num mundo à parte, todo feito de ficções retóricas e afetação harmônica. O conceito serviu como uma luva. Enfim, o idiota seria o bronco. Mas o que é o bronco? É o boçal, estúpido, ignorante, imbecil, o idiota político. Shakespeare, talvez, dissesse, é o que está no palco do poder, mas se comporta como se fosse da plateia, é um espectro de governante. Uma criação midiática, que se prevalece do poder para tomar decisões ao arrepio da realidade concreta. Um trapalhão. Um engomadinho que mal consegue se equilibrar nas próprias pernas e que tomou o poder por um capricho das circunstâncias.

O boçal irresponsável tabela com um conjunto de deputados, também irresponsáveis, que obedecem cegamente ao seu mando, sem perceber o caos social que se avizinha. Um inconsequente que se apresenta como um dirigente avesso a qualquer acordo legal realizado com as classes de trabalhadores, e aos apelos dos cidadãos. Um criador de broncas governamentais, sociais, econômicas e políticas.

*O autor é sociólogo, analista político e advogado.