É preciso efetivar direitos

Por Carlos Santiago*

O Brasil passa por crises que envolvem fatores econômicos, políticos, jurídicos, modelo de família tradicional e administrações públicas. Uma parcela significativa da população e da classe política já encontrou a responsável por todos esses problemas: a Constituição Federal de 1988. Ela é a vilã e responsável pela existência do político corrupto, do desemprego, dos precários serviços públicos, do rombo fiscal nas contas públicas, da negação de prisão em caso de condenação em 2ª instância; da falta de crescimento econômico. A saída, dizem uns, seria uma revisão constitucional, outros ressaltam que o melhor seria uma nova Constituinte. O certo de tudo isso é que é necessário mudanças na Constituição.

A sociedade não é estática, a Constituição deve refletir a dinâmica social. Penso, porém, que não é hora de revisão da nossa Carta Maior ou de uma nova constituinte. A Constituição Brasileira 1988 é o resultado de um avanço histórico do País e de um grande pacto social contra o arbítrio e pela inclusão de direitos sociais aos brasileiros que lutavam há séculos por cidadania. Ela também consagrou o Estado Democrático de Direito, o planejamento estatal, a liberdade econômica, a responsabilidade fiscal, e a autonomia do Ministério Público e dos municípios, entre outros.

Nela, os povos indígenas e os quilombolas são reconhecidos com direitos e posses de terras; a propriedade privada tem função social; o brasileiro acima de 16 anos pode votar; a jornada de trabalho foi reduzida para 44 horas; a saúde e a educação são direitos de todos; o meio ambiente tem proteção de todos; o seu artigo 5° garante direitos fundamentais para todos os brasileiros, independente de classe social e de credo; dinamizou a expansão da democracia direta e indireta nos processos de escolhas dos governantes e representantes.

Como os valores democráticos estão em expansão e se apresentam como a bandeira aos mais humildes, à cidadania e à repartição do poder estatal, acabam originando um ódio à Constituição por aqueles que sempre mandaram na nossa República, desfrutando privilégios e olhando as desigualdades econômicas como mero fenômeno natural. Isto ocasiona tensões entre os defensores dos valores democráticos como fator de inclusão e dignidade humana e aqueles que estão do lado oposto da pirâmide social. Soma-se também o fato do Brasil possuir elites políticas e econômicas autoritárias que nunca quiseram partilhar o poder com o povo.

O compromisso das instituições e da sociedade civil deve ser com a efetivação de direitos sociais, garantias fundamentais e políticos, pois o Brasil continua com indicadores altos de analfabetismo e de desemprego, com uma política de moradia precária, sem atendimentos dignos na saúde e uma falta de segurança gritante. Temos ainda a honra duvidosa de ser o País no qual os índios, negros, mulheres, idosos e deficientes, não conseguem o agasalho protetor das leis, consequência clara de que a tão decantada democracia brasileira carece de efetivação. Não basta declarar direitos, eles têm que chegar aos seus destinatários de forma efetiva.

Enfim, não é uma revisão constitucional, nem mesmo a realização de uma nova constituinte que vai ser o vetor de mudança social, econômica etc. Não se pode conceber que a CF, com apenas um pouco mais de 30 anos de vigência, conserte um País que possui mais de 500 anos de exclusão. O momento requer diálogo entre as instituições do Estado brasileiro e efetivar as normas constitucionais existentes.

*O autor é sociólogo, advogado e analista político