Doutor Honoris Causa

Por Lourenço Braga*

Na quarta-feira última, dia consagrado à santa padroeira, recebi da Universidade do Estado do Amazonas, sob emoção indescritível, o título de Doutor Honoris Causa, a maior honraria acadêmica, em noite na qual
foram igualmente homenageados os professores doutores Rui Manoel Proença de Campos Garcia, catedrático da Universidade do Porto, e Wanderley de Souza, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Conferiu-nos o grau o Magnífico Reitor da UEA, eminente professor doutor Cleinaldo de Almeida Costa, e tive como guardiã de honra, a me conduzir e a me vestir os paramentos, a doutora Maria Justina Braga Monteiro, irmã, professora e Assistente Social dos necessitados, exdiretora da Escola de Serviço Público. Não sei contar em palavras os sentimentos que de mim se apoderaram na noite de gala.

O discurso que pronunciei, já graduado, iniciei-o conferindo à “primeira palavra força de oração, grito interior de comunicação com Deus, em respeito profundo à dor de tantos brasileiros cujas lágrimas pranteiam vítimas de doença cruel e avassaladora, que assustou o planeta e o continua escravizando.” E pedi ao Pai, em seguida, que nos conceda sermos melhores ao final desse pesadelo.

Por coincidências que a própria vida costuma reservar, o galhardão que tanto me honra foi-me entregue em noite igual à de minha formatura na graduação e sobre isso disse, então: “Pareço ver, nesta hora de júbilo intenso e de emoção incontida, Lourenço, o pai, em noite amazônica de 8 de dezembro de 1970, subir comigo ao palco do Teatro Amazonas, incomparável santuário da arte, para, além de me passar às mãos o diploma de Bacharel em Direito por uma das três Faculdades mais antigas do Brasil, que eu depois viria a dirigir, receber, com alegria inescondível, sentimento de dever cumprido, o anel simbólico conquistado por méritos durante o curso, a ele entregue pelo Magnífico Reitor da Universidade do Amazonas, hoje UFAM, e dele ouvir, enquanto trazia a meu dedo trêmulo a joia do prêmio, entre lágrimas que se juntavam para nos unir, com a benção que jamais faltou: eis o símbolo do que lhe compete honrar. Na plateia, entre soluços contidos, Sebastiana, a mestra de todos nós até os 98 anos de idade, que com ele construiu, por mais de meio século, o amor verdadeiro, certamente eterno, fazia aplausos harmônicos com o pulsar de seu coração, convicta do quanto se entregara, em desvelo, dedicação e crença, para a glória daquele instante. A seu lado, João, o mais velho de nós e que vivera conquista igual havia 10 anos, José, que depois se fez doutor em Direito, ideólogo desta Universidade, Maria Justina, a Assistente Social dos necessitados, a quem pedi para me introduzir hoje neste recinto de encanto, Ana Maria, que logo se faria médica das crianças pobres a quem se dedicou até o fim imposto por um câncer que a vitimou no meio da caminhada, e Robério, o mais novo dos irmãos, que se tornaria depois o primeiro mestre em Direito Ambiental do País, na Universidade que ajudou a construir, filhos que dividiam com ela a magia abençoada pela Santa padroeira.”

Obrigando-me a tentar conter as lágrimas que teimavam em molhar-me o rosto e o coração, continuei lembrando: “neste 8 de dezembro, 51 anos depois, por nova obra da Divindade, sou conocado pelo Magnífico Reitor da Universidade do Estado do Amazonas, que tive a honra de ser o primeiro a dirigir, para, sob emoção igual, receber a outorga do título de Doutor honoris causa, e peço a Deus, em prece contrita de coração pulsante de saudade, que permita a Lourenço, Sebastiana, João e Ana Maria reunirem-se em plano superior, entre cânticos e sons de trombetas de anjos, para dividir com os que aqui estamos a glória nova. Que haja festa em seus espíritos, que beijo respeitoso, porque é deles igualmente, por força do amor, a beleza inexcedível desta hora memorável, que a Senhora da Conceição também há de estar a abençoar.”

Depois de entregar o valor da homenagem aos que em família sonharam comigo, inclusive a filhos e netos, certeza da perpetuação, a quem me dei em exemplos “e dos quais hei recebido mostras sucessivas de dignidade, caráter e amor ao próximo”, dirigi-me, ainda no prólogo, ao magnífico Reitor, assim: “a generosidade dos dignos membros do Egrégio Conselho Universitário a deferir-me o galhardão deste título, proposto por Vossa Magnificência, dá-me oportunidade, como amazonense e em hora solene, de proclamar-me devedor da competência, da seriedade, do compromisso e da dedicação com que há conduzido a nossa UEA, elevando-a a pontos estelares entre suas congêneres na América e no planeta, como aliás fizeram os que me sucederam antes que o alvo capelo chegasse às mãos igualmente honradas do regente de hoje. Respeito igual devoto, portanto, aos magníficos professores doutores Marilene Correia da Silva Freitas, José Aldemir de Oliveira e Carlos Eduardo de Souza Gonçalves.”

Entendi que contar um pouco da história de nossa UEA era apropriado para a ocasião e comecei por fazê-lo lembrando que em “dezembro do último ano do século, vésperas de milênio novo, o governador Amazonino Armando Mendes, entusiasmado com o que constatara na formação de médicos cubanos e preocupado com a necessidade imperiosa de contribuir para a construção de processos de educação de qualidade, decidiu, em manhã amazônica de sol ardente, que parecia derramar bençãos sobre os que com ele nos encontrávamos, criar a Universidade do Estado, principalmente para preencher a histórica ausência de nossa instituição federal no Interior, menos por desejo dos que a dirigiram, mais por absoluta falta de recursos financeiros destinados pelo governo federal que até hoje a mantém. Filho de Eirunepé, no distante Juruá, conhecia por própria experiência a necessidade do caboclo de abandonar seu torrão e sua família sempre que quisesse ousar voos que o conduzissem além da formação média de ensino. E foi por isso que, ao sancionar a lei que autorizou a criação, em 12 de janeiro de 2001, o chefe do Executivo declarou instituir a universidade dos povos da floresta.”

Registrei que, no dia seguinte ao da assinatura do decreto de criação, o chefe do Executivo nomeou-me reitor, “regente de uma orquestra que precisava ser composta”, conferindo-me inteira liberdade para procurar os instrumentos e os músicos e a mim me outorgando “competência para nomeá-los, à exceção do vice-reitor. Os pró-reitores, os diretores de escola, os coordenadores de curso e de qualidade foram sendo procurados e reconhecidos por sua experiência acadêmica ou de gestão e se foram incorporando paulatinamente, principalmente depois de realizarmos o maior vestibular da história deste país, com mais de 160.000 inscritos, na capital e no interior, recorde que a própria Universidade venceria no ano seguinte, quando 230.000 brasileiros inscreveram-se em busca das vagas ofertadas. Era como se a Universidade, há tanto desejada, a todos encantasse, tal como fez com um humilde carvoeiro de Rio Preto da Eva que se graduou em Enfermagem, por exemplo, ou com um pintor de parede que ajudou a construir o prédio da escola onde foi estudar licenciatura plena em letras, em Parintins. Pura magia!”

A homenagem foi recebida com a modéstia de quem tem consciência de haver procurado cumprir o dever do que lhe foi confiado e, por sua beleza, dela voltarei a falar na próxima sexta-feira, com transcrições novas do discurso proferido.

*Advogado e Professor