Beijo no gordo 

Jô Soares, com sua morte, consegui aglutinar quase a unanimidade em torno de um sentimento comum: ele sai de cena definitivamente deixando órfãos milhões de brasileiros que aprenderam a admirar o ator, escritor, dramaturgo, diretor, entrevistador poliglota e humorista admirável.

Quando eu soube pela manhã bem cedo do passamento do Jô, senti no coração e na alma algo de muito estranho aliado a uma tristeza como se houvesse perdido um parente próximo.
José Eugênio Soares, simplesmente Jô, era daqueles artistas que entravam em nossos lares pelas ondas da TV sem pedir licença.
Seus personagens caricatos, sem apelar para o burlesco, mordazes sem serem cáusticos, linguagem ferina sem enveredar pela linha chula, cativavam a todos quantos riam e se deleitavam com um humor cortante e às vezes infantil.
Jô nasceu rico no seio de uma família abastada. Sonhava em ser diplomata, sonho que deu lugar à veia artística da qual nunca mais conseguiu se afastar.
Teve um único filho nascido autista e falecido anos atrás, o que causou em Jô Soares profunda dor e tristeza, mas soube reconhecer e valorizar no primogênito, alguém que deixou marcas indeléveis e ensinamentos na sua alma de pai.
Depois de brilhar na telinha se desdobrando em mais de duzentos personagens que criou ou adaptou, Jô assumiu seu lado intelectual literário passando a escrever livros alguns dos quais se tornaram best sellers sendo a mais famoso dos seus livros o romance policial O Xangô de Baker Street.
Mas Jô não parou por aí.
Talvez iluminado pela ideia de brindar seus admiradores com outra das suas facetas, resolveu assumir sua porção jornalística e foi então que nasceu o Jô Soares apresentador e entrevistador.
O Programa do Jô, nas madrugadas, foi o primeiro talk show da televisão brasileira, depois copiado e reproduzido por muitos outros artistas em quase todos os canais de TV.
Ali surgia, para gáudio dos fãs e seguidores do artista, um dos mais brilhantes entrevistadores que se tem notícia na TV do Brasil.
Era um Jô Soares elegante, sóbrio, inteligente, sagaz e estiloso. Tudo junto e misturado em um só artista.
Era um programa de entrevistas onde a cultura, o humor, a política, a ciência, a boa música, curiosidades e uma plateia seleta se completavam, e enchiam nossas madrugadas de muita alegria e gostoso entretenimento.
Foi assistindo a muitos Programas do Jô que aprendi a admirar mais ainda esse lado inteligente de um artista que reunia em si mesmo muitos personagens que transitavam entre o sério de substanciosa veia intelectual, passando pelo humorístico sem se deixar dominar pelo bufo.
Como entrevistador, Jô indagava sem ser invasivo, brincava sem descer o nível e retirava informações de um modo brilhante e inteligente dos seus entrevistados.
Pelo sofá do Programa do Jô passaram milhares de políticos, intelectuais, artistas, religiosos, governantes, profissionais liberais, empresários, gente importante e conhecida e gente simples do povo.
Com todos ali sentava o mesmo Jô que não tergiversava diante do poderoso, tampouco tratava com diferença o desconhecido ou o mais simples.
Várias passagens da vida do Jô sobrevieram logo após sua morte.
Selecionei algumas delas especialmente aquelas que mais me cativaram até porque desconhecia.
Soube que Jô Soares foi Ministro da Eucaristia que vem a ser uma pessoa preparada no seio da Igreja Católica para servir nas celebrações litúrgicas distribuindo a hóstia consagrada junto com o celebrante.
De viva voz, ele confessou para um jornalista, que era devoto de Santa Rita de Cássia, uma das minhas padroeiras.
Certa feita, numa entrevista com Chico Anísio confabulando sobre a morte, Jô disse que o medo da morte era um sentimento inútil e pergunta do Chico: -Você tem medo da morte? Ao que Chico responde: – Não! Eu tenho pena.
Numa entrevista ao multi artista Marcelo Tass quando falavam sobre a morte, este perguntou ao Jô:
-Ô Jô, quando chegar o momento em que Deus falar assim pra você: Não querendo te interromper mas já interrompendo(gargalhada geral), e te levar pra ficar lá com Ele, que memória você espera ter deixado?
-Alegria, mas principalmente não ter feito mal a ninguém. Isso é que eu acho que é importante pra vida de cada um: Ó eu vou viver e não vou fazer mal a ninguém. Tascou um Jô Soares de bate pronto, dando uma lição de civilidade e amor ao próximo.
Assim foi o Jô Soares que conheci e aprendi a admirar.
Muitos hão de revisitar a vida artística e intelectual dele tentando encontrar contradições e posicionamentos políticos com essa ou aquela corrente ideológica ou partidária.
Eu prefiro guardar na lembrança a alegria, o bom humor, a inteligência e a generosidade de um Jô Soares que vai deixar muita saudade em mim.
Siga na paz e vá pra luz Jô Soares e alegre o céu com suas tiradas e gargalhadas.
Té logo!