Vereador, mesmo em manifestação na tribuna, pode ser processado por calúnia

Por Ricardo Gomes*
A desinformação, misturada com a empolgação, assim como a falta de esclarecimentos e Assessoria adequada, podem custar além de alguns milhares de reais, na esfera cível, por por danos morais, além de um (ou vários) processos criminais à alguns “Vereadores Super Heróis”, principalmente no interior, onde há uma dose exagerada de pessoalidade e desequilíbrio nas questões políticas, que, claramente, leva alguns Parlamentares à irem muito além do que permite a chamada “imunidade parlamentar”, atravessando a esfera do bom senso e do razoável, para entrarem (até a alma) no universo do desrespeito e da transgressão à várias Leis, e principalmente, à CONSTITUIÇÃO FEDERAL, que, permanece firme, resguardando vários princípios, como garantias à honra, vida privada e dignidade das pessoas.

Não faz muito tempo e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), Guardião da Lei Maior, decidiu, de forma indubitável, em manifestação brilhante do Ministro Luiz Fux, no Inq. 2915 PA, que analisava a admissibilidade do Processamento de um Inquérito, que tratava acerca da manifestação de um Parlamentar Federal, em programa radiofônico, no qual aquele teria se expressado sobre um Cidadão, imputando-lhe, sem provas, conduta criminosa, e que respondia pela acusação de Calúnia, mas o acusado se defendia, invocando a imunidade parlamentar, como se essa fosse um escudo que lhe protegeria de qualquer conduta ou lhe permitisse a total inconsequência de suas palavras, tal qual um cheque em branco .
Pedagogicamente o STF decidiu que o parlamentar que profere calúnias ou difama a honra de alguém pode, sim, ser responsabilizado criminal e civilmente, independentemente do instituto da imunidade parlamentar.
 
STF estabeleceu duas hipóteses:
  • uma, as calúnias ou difamação que são feitas fora da tribuna parlamentar;
  • outra, quando não há nexo direto entre as acusações e o exercício do mandato parlamentar.
 
O acórdão do Supremo é extremamente claro:
 
Imunidade parlamentar. Inexistência, quando não se verificar liame entre o fato apontado como crime contra a honra e o exercício do mandato parlamentar pelo ofensor.
Os atos praticados em local distinto do recinto do Parlamento escapam à proteção absoluta da imunidade, que abarca apenas manifestações que guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato”.
Vejamos a Decisão na íntegra:
 
Ementa: PENAL. INQUÉRITO. CRIME CONTRA A HONRA: CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. 
 
DECLARAÇÕES PROFERIDAS EM PROGRAMA RADIOFÔNICO POR PARLAMENTAR FEDERAL. 
 
IMUNIDADE. INEXISTÊNCIA. QUEIXA-CRIME. RECEBIMENTO.
 
Dados Gerais
Processo: Inq 2915 PA
Relator(a): Min. LUIZ FUX
Julgamento: 09/05/2013
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação:
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-102 DIVULG 29-05-2013 PUBLIC 31-05-2013
 
Parte(s):
MIN. LUIZ FUX
ANTÔNIO NAZARÉ ELIAS CORREA
WLADIMIR AFONSO DA COSTA RABELO
CLÁUDIO RONALDO BARROS BORDALO
 
Ementa
Ementa: PENAL. INQUÉRITO. CRIME CONTRA A HONRA: CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. 
 
DECLARAÇÕES PROFERIDAS EM PROGRAMA RADIOFÔNICO POR PARLAMENTAR FEDERAL. 
 
IMUNIDADE. INEXISTÊNCIA. QUEIXA-CRIME.
RECEBIMENTO.
 
1. O crime de calúnia, para a sua configuração, reclama a imputação de fato específico, que seja criminoso, e a intenção de ofender à honra; enquanto para o delito de difamação pressupõe-se, para a concretização, a existência de ofensa à honra, objetivo do querelante.
 
2. In casu, em programa radiofônico, o parlamentar federal teria imputado ao querelante a prática do delito de ameaça de morte a repórter, fazendo-o de modo concreto, indicando o local, a data e o móvel da suposta conduta delituosa, bem como a imputação do crime previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 – uso de drogas. Afirmou, também, “ter o querelante praticado falcatruas durante as eleições municipais, bem como realizado transações ilícitas, agressões à imprensa e às pessoas que não lhe fossem simpáticas politicamente, realçando que o prefeito/querelante é pessoa que se dá a bebedeiras, é moleque e vagabundo, agindo com desrespeito em relação às mulheres residentes na comarca”.
 
3. O animus calumniandi presente naquele que imputa a outrem, falsamente, as condutas de ameaça de morte e de consumo de drogas, delitos previstos no artigo 147 do Código Penal e no artigo 28 da Lei nº11.343/2006, respectivamente, configura a prática do crime de calúnia.
 
4. O delito de difamação considera-se perpetrado por quem, afirmando fato certo e definido, ofende a honra de outrem, ainda que se repisem fatos sobre aquilo que os outros reputam a respeito da cidadão, no tocante a seus atributos físicos, intelectuais e morais. Precedente: Inquérito nº 2.503, Plenário, Relator Ministro Eros Grau, DJe de 21/05/2010.
 
5. Imunidade parlamentar. Inexistência, quando não se verificar liame entre o fato apontado como crime contra a honra e o exercício do mandato parlamentar pelo ofensor. Os atos praticados em local distinto do recinto do Parlamento escapam à proteção absoluta da imunidade, que abarca apenas manifestações que guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato (Precedentes).
 
 
Por conta dessa Decisão do STF e outras do STJ, recentes manifestações de Vereadores “empolgadas demais”, já em 2018, estão gerando Representações Criminais por CalúniaInjúria e Difamação, sem esquecer das Ações por Danos Morais, as quais devem alcançar alguns Parlamentares desavisados, que parecem precisar de um freio legal para compreender adequadamente, que Instituto da Imunidade Parlamentar, tal qual o Foro Privilegiadonão reinam mais absolutos sobre tudo, e que vivemos outros tempos onde gente muito mais “poderosa” (?), outrora arrogantes, e intocáveis, mesmo com bancas de brilhantes (e caros) Advogados passou Natal e Ano Novo numa cela, quiçá outros politiquinhos, que, visivelmente deslumbrados com um Cargo eletivo temporário e limitado, sem se aguentar sobre as próprias pernas, resolvem se sentir “heróis da Marvel” e saem, de peito aberto atacando a humanidade como acham que seus super-poderes políticos lhes garante.
Provavelmente ainda esse ano escreverei o desfecho dessa história e outras posições dos Tribunais Superiores acerca do moderno pensamento jurisprudencial sobre Foro Privilegiado, que já deve ser relativizado pelo STF, e sobre a cada vez mais frágil imunidade parlamentar, mostrando que (finalmente) só há super heróis inatingíveis no cinema.

 

*O autor é advogado, professor universitário e consultor