Uma adorável professora

No dia 22 de novembro passado fui à procissão e missa dedicadas a Santa Cecília uma das minhas padroeiras, como o faço todos os anos.

Foi nessa pequena comunidade, numa humilde e aconchegante capela dedicada à santa incrustada no meu amado bairro da Cachoeirinha, que aprendi os primeiros passos na vida cristã.

Ano após ano, os indefectíveis e saudosos encontros com gerações do meu passado de jovem cristão católico.

Dentre tantos, alguns amigos, ex vizinhos, senhorinhas e senhores já na casa dos oitenta e tantos anos, que foram lá, como sempre, render homenagens e agradecer à padroeira dos músicos. 

E lógico, a presença maciça da nova geração de comunitários, formada por uma juventude que tem a responsabilidade de cuidar do legado e de manter viva a chama do vigor cristão e da celebração comunitária.

Estávamos eu e meu grande amigo/irmão de infância e dos movimentos de jovens do bairro Aluysinho, batendo um gostoso papo sobre reminiscências da nossa profícua infância e juventude muito bem vividas naquela comunidade.

Cumprimentos daqui e dali, papo vai, papo vem, abraços e apertos de mão e muito aconchego, eis que se aproxima de nós nossa antiga e adorável Professora Marilza, frequentadora assídua das missas, arraiais, procissões e atividades comunitárias da capela de Santa Cecília desde que me entendo por gente.

Sorrisão largo, voz bem postada, sempre bem vestida e maquiada, cabelos cuidadosamente bem penteados, já idosa mas absolutamente lúcida e de mente brilhante.

Como não poderia deixar de ser, a conversa enveredou pelo nosso passado de alunos bem aplicados da Professora Marilza.

Exigente, durona, cobrona e sobretudo implacável ante o erro, a preguiça e a indolência juvenis, assim era nossa professora de português.

Suas aulas de redação e ditado eram encaradas como uma doce tortura.

Nada escapava; nenhuma vírgula mal colocada ficava sem um ralho ou uma reguada nas pernas e na mão.

A casa da Professora Marilza era nossa segunda casa pois ali se passava boa parte das nossas experiências de alunos do que hoje se chama aulas de reforço.

Vez em quando, acompanhando as aulas, o seo Armando, marido da Professora Marilza, muitas vezes defendendo os pirralhos das duras mas necessárias cobranças.

Pois foi sob a catequética batuta da Professora Marilza que aprendi a ler bem, escrever bem, falar bem. Com ela aprendi o bom e o bem da linga portuguesa. Ainda cometo lá meus erros porque ninguém é de ferro.

Nosso treino pra valer eram as leituras da palavra de Deus nas missas.

Lá no fundo, sempre no primeiro banco de quem entra na capela do lado direito, ali era e é o lugar cativo da Professora Marilza até hoje.

Olhos e ouvidos atentos para alguns dos seus alunos que, do púlpito e ao microfone sem deixar disfarçar aquele frio na barriga, se esforçavam ao máximo para expressar de modo escorreito a Palavra de Deus.

Ao final da missa as correções.

A falta do “s” no plural, a ausência de pausa provocada pela vírgula ou até a falta do desvio do olhar para os presentes, tudo era milimetricamente observado pela Professora Marilza.

Como foi bom ter sido aluno da Professora Marilza!

Como sou grato a ela por ter sido seu aluno.

Nada de traumas, nenhuma réstia de rancor e zero sentimento de humilhação em mim ao enfrentar essa saudável experiência de feliz aprendizado com nossa adorável Professora Marilza.

Se hoje escrevo textos que reuni em um livro de crônicas O Que Penso Sobre, é porque tive, lá atrás, a firme e constante presença de alguém preocupada e deixar em mim apenas marcas de um  passado de aluno que aproveitou cada ensinamento, cada admoestação e todas as benfazejas lições não só de português mas de cidadania e religiosidade.

Não à propósito, uma das filhas da Professora Marilza, a Soraia, é também uma premiadíssima professora da rede pública de ensino. Filha de peixe peixinho é!

Assim como a mãe, as filhas da professora Marilza são frequentadoras assíduas da comunidade de Santa Cecília, engajadas que são nas atividades pastorais da capela.

Com esse artigo, presto uma singela porém sincera homenagem à Professora Marilza pelas aulas de português, pelas duras cobranças, pelas palmadas, pelos ralhos mas, sobretudo, por ter incutido em nós o amor e a responsabilidade pelo trato para com nossa língua mãe.

Té logo!