Um caso sério…seríssimo

Dentre muitos episódios políticos e jurídicos que tenho conhecido ao pesquisar temas que interessem à história do Amazonas, e o faço em fontes primárias, um caso, em especial, chamou minha atenção. Trata-se de um contrato firmado em 1899 para exploração de linha de navegação a vapor, providência que, sem dúvida, parece ter sido da maior importância na ocasião, mas, como se vai ver, ao final se transformou em grave problema e alto custo para o erário.

O contrato foi firmado em 11 de agosto de 1899, mediante autorização da lei n. 242, de 13 de outubro de 1898, para o estabelecimento de “uma linha rápida de navegação a vapor entre os portos de Manaus e Rio de Janeiro, com escalas” e que, após um ano, seria estendida a outros pontos dos rios navegáveis do Estado e da Europa, ficando marcada a data de 18 de julho de 1900 para início do serviço, o que não aconteceu. Logo depois, o contrato foi declarado nulo, em 9 de agosto de 1900, após a posse de Silvério Nery no governo do Estado, possivelmente para não pagar as parcelas mensais de auxílio ao serviço, como era comum naqueles anos ou por aregnga política, o que é mais provável.

A disputa foi para a justiça estadual, depois para a justiça federal e, passando por todas as instâncias, chegou ao Supremo Tribunal Federal com sentenças, embargos e outros recursos que prolongavam o martírio do empresário e ampliavam a dívida do Estado de forma assustadora. Reclamando sem cessar e se valendo de todos os recursos possíveis, mas sem conseguir solução, a empresa contratada resolveu propor um acordo ao poder estadual, tendo como certo o fato de que, conforme os conceitos jurídicos da época, o Estado não poderia declarar nulo o ato que praticara com terceiros, da maneira como foi feito por Silvério.  

O Supremo Tribunal Federal, por duas vezes, reconheceu o direito da empresa e o Estado acabou fazendo um acordo de milhões, com o fim de indenizá-la em razão de rescisão arbitrária do contrato. O Estado devia pouco mais de 6.000:000$000, ou seja, seis mil contos de reis “por um serviço que não foi executado”, e a rescisão teria decorrido, segundo o procurador estadual, “devido à precipitação verdadeiramente criminosa com que foi lavrado o decreto que declarou a nulidade do contrato de 1899”. Ou seja, o contrato seria lesivo ao Estado, mas a sua declaração de nulidade implicou em dívida do Estado para com a empresa que havia sido contratada. E isso não foi caso único, houve outros contratos que tiveram o mesmo destino.

A síntese do caso está na palavra do governador Antônio Bittencourt, anos depois, em 1911, ao fazer o acordo, quando deixou declarado que “desconhecedores das normas jurídicas, enganados com o prestígio do Poder Público e sem terem querido dar-se ao trabalho de consultar um profissional, certos governadores andaram praticando atos que, embora bem-intencionados, acarretaram pesadíssimas consequências para a Fazenda Pública, que afinal acabou respondendo por ele”.

Feito o acordo, foi fixado o pagamento de 2.500 contos de reis pelo Estado, em lugar de mais de 6.000 contos, e em prestações, mediante aprovação do Poder Legislativo estadual, com desistência do recebimento dos demais valores por parte do autor da ação.

Eis o que uma briga política pode causar de dano ao erário. Isso porque, à distância dos anos, sabendo da rixa entre os caciques da época na disputa pela chave do cofre da fazenda estadual, vê-se o que propiciou a Antônio Lucullo de Souza e Silva, um bom resultado financeiro, ainda que após uma luta longa,