Por Vanessa Grazziotin*
Lamento profundamente escrever sobre meu querido Amazonas tratando de algo tão doloroso.
Não do “acidente”, mas do massacre bárbaro, pavoroso, que sucedeu a festa de Réveillon e que já vitimou quase 70 detentos em Manaus (AM). Fato agravado com a chacina de outros 33 em Boa Vista (RR), ocorrida no dia de Reis.
A chacina ocorreu por absoluto descaso do governo com o sistema prisional e é de sua inteira responsabilidade, a qual não pode ser terceirizada ou privatizada.
Se há o controle das penitenciárias pelas facções criminosas é porque há promiscuidade do governo e certa licenciosidade do conjunto das autoridades, o que explica as “celas de luxo”, festas, entrada de armas, drogas e fugas.
No Amazonas, há ineficiência da empresa privada que opera os presídios. Há sobrepreço do contrato (triplo da média nacional), que já consumiu, de 2010 a 2016, R$ 1,1 bilhão do dinheiro público, parte dos quais irrigaram campanhas do governador e seus aliados.
Gravações no processo eleitoral de 2014 revelaram que o major da PM Carliomar Brandão, então subsecretário de Justiça e Direitos Humanos, celebrou um acordo com Zé Roberto (chefe da FDN). Houve compromisso com regalias para a facção em troca de 100 mil votos à reeleição do governador José Melo (Pros). O processo tramita no TSE, até hoje sem julgamento.
A solução é complexa e exige a superação de problemas objetivos e subjetivos. Exige diálogo e ações permanentes dos Poderes. Criar mecanismos de penas alternativas e fazer os detentos trabalharem para evitar a superlotação dos presídios e gerar recursos para fazer frente às despesas.
Nesse caso, o congelamento dos gastos públicos por 20 anos certamente não ajudará na solução. É necessário combater a corrupção permanentemente.
Subjetivamente é preciso superar a cultura da banalização do massacre contra pobres e da simplificação vulgar dessa selvageria, expressas nas desastrosas declarações do governador Melo e do presidente Temer (PMDB), bem como na escalada crescente de desumanização e intolerância da sociedade, cuja síntese é a apologia de que “bandido bom é bandido morto”.
De fato, é difícil para as pessoas aceitarem que se gaste tanto dinheiro para manter um sistema prisional caótico quando há carência de recursos para tantas outras áreas.
A constatação de que esse problema persiste por tantos anos sem uma solução à vista explica o apoio popular a propostas equivocadas, como a redução da maioridade penal e até a pena de morte.
De fato, a situação é grave, explosiva e precisa ser enfrentada nas suas reais causas, e não com medidas paliativas.
*A autora é professora e senadora pelo PC do B do Amazonas. Este artigo foi publicado originalmente na Folha de S. Paulo
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