A Reforma Tributária, que vem sendo analisada no Senado pelo Projeto de Lei Complementar PLP 68/2024, prevê a substituição de cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS) por três: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo. O primeiro relatório deve ter seu parecer apresentado no dia 22 de outubro, segundo o senador Izalci Lucas (PL-DF), coordenador do grupo de trabalho que analisa sua regulamentação.
A proposta do Governo prevê uma série de mudanças significativas para a Zona Franca de Manaus (ZFM), criada pelo Decreto-Lei nº 288/67, uma área estratégica que oferece diversos incentivos fiscais com o objetivo de promover o desenvolvimento industrial na região amazônica, tornando-a competitiva frente às demais regiões do país. No entanto, as mudanças propostas na reforma tributária levantam preocupações sobre o futuro desses incentivos, particularmente em relação à cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Historicamente, a isenção do IPI para os bens produzidos na ZFM tem sido um dos principais instrumentos para atrair indústrias à região. Este mecanismo permitiu que a produção no local se tornasse economicamente viável, compensando os desafios logísticos e outros custos adicionais associados à operação em uma área remota como a Amazônia. A alíquota do IPI aplicada aos produtos fora da ZFM sempre teve um papel crucial: quanto maior a alíquota, maior a vantagem competitiva para as empresas localizadas na ZFM.
Contudo, o atual texto da reforma tributária implementa uma mudança importante ao prever que as alíquotas de IPI serão zeradas a partir de 2027, exceto para os bens produzidos na ZFM. Isso cria um cenário de incerteza para as empresas de outras regiões, que precisarão monitorar constantemente a lista de itens fabricados na ZFM para saber se seus produtos estão sujeitos ou não ao IPI. Esse novo modelo de tributação pode complicar ainda mais o ambiente de negócios, gerando dúvidas sobre a viabilidade de novos investimentos na região e sobre a manutenção da competitividade das indústrias já estabelecidas.
A introdução do Projeto de Lei Complementar nº 51/2024, que busca regulamentar o diferencial competitivo da ZFM, adiciona mais complexidade ao cenário. Este PLP propõe que o IPI incida apenas sobre artigos com produção relevante na ZFM, representando dois terços da fabricação nacional em 2023, e prevê uma revisão quinquenal dessa lista de produtos. Embora essa abordagem híbrida permita uma certa flexibilidade, ela também introduz incertezas sobre a aplicação futura dos incentivos fiscais, especialmente em relação à dinâmica do mercado e à capacidade das empresas de planejar suas operações de longo prazo.
Outro ponto de preocupação é a autonomia da lei complementar para disciplinar as questões relativas ao IPI na ZFM. Os incentivos fiscais previstos no DL nº 288/67, em especial a isenção do IPI, têm sido tratados como “imutáveis” pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, a dúvida que paira é se o Judiciário reconhecerá a autonomia da LC para ajustar ou até mesmo reduzir o papel do IPI como instrumento indutor de produção na ZFM.
Essas mudanças propostas na reforma tributária podem ter consequências significativas não apenas para a economia da ZFM, mas também para o desenvolvimento sustentável da Amazônia como um todo. A redução da competitividade poderia levar à desindustrialização da região, com impactos socioeconômicos profundos, incluindo a perda de empregos e a diminuição de investimentos em áreas críticas para o progresso regional.
Como parte das mudanças, foi instituído o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, que visa mitigar eventuais perdas de receita decorrentes das alterações tributárias e fomentar novas atividades econômicas na região.
Assim, a reforma tributária, tal como está, deixa muitas perguntas sem resposta e cria um ambiente de incerteza que pode afetar a atratividade da ZFM como polo industrial. Para que esta continue a cumprir seu papel estratégico no desenvolvimento da Amazônia, será necessário um debate mais aprofundado e uma regulamentação que leve em conta as especificidades da região e a importância dos incentivos fiscais para a sua sustentabilidade econômica.
Ivson Coêlho é advogado especialista em direito tributário – drivsoncoelho@nbpress.com.br
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