O que sobrou do céu …. na terra dos falsos fiscais

Por Ricardo Gomes*
Sim, uma alusão clara a música dos meus conterrâneos do Rappa, mas foi o que mais me veio à mente vendo a maioria da população indígena do Rio Negro, onde estive em visita recente, lançando mão de “todas as ciências de baixa tecnologia“, para tentar minimizar os efeitos devastadores da Malária, que me pareceu estar fazendo um número bem maior de vítimas que aqueles divulgados nas estatísticas oficiais dos órgãos públicos, manipulados em salas climatizadas de Manaus e Brasilia, bem longe dos mosquitos,ainda mais quando sabemos que as estatísticas levam em conta pessoas que existem no mundo formal (com registro de nascimento, CPF etc) que, pelos interiores do Rio Negro, mais do que em qualquer outra região, simplesmente não existem, e há uma massa de “Zé Ninguéns”, aos milhares, que os burocratas não fazem nada para regularizar-lhes a situação, e os deixa morrer à mingua, nas fronteiras da Amazônia, enquanto, insensíveis, trocam as cápsulas das cafeteiras de suas salas, longe da realidade, em todos os aspectos.

Acompanhei, pasmo, ainda naquela região, a entrega de uma pequena escola indígena, numa diminuta comunidade, bem próximo da sede, com acesso por água e/ou por estrada, a qual substituía uma outra “escola”, muito comum no interior do AM: com todos alunos socados num “centro comunitário” um barracão simplório, em aulas multi-seriadas (entenda-se todo mundo junto ao mesmo tempo, com um professor se virando) que, à meu ver, são um modelo, digamos “melhor que nada”, mas, sem a menor condição de receber nome de “escola”, pois, sem Iluminacao adequada, sem banheiros, na maioria das vezes, sem refrigeração ou ventilação, para minimizar o calor Amazonico, sem cozinha (e sem merenda – não vale “lanche”), muitas vezes, (quase sempre), sem água, que possa ser classificada como potável.
O que realmente se pode oferecer e/ou esperar de resultado no IDEB do MEC ?
Me chamaram bastante a atenção dois fatos:
  • Ouvir dos comunitários que há 30 (trinta) anos não havia na antiga “escola”, investimentos em um prego novo, menos ainda reforma e, nem sonho, uma nova estrutura, extremamente simples, é verdade, mas de alvenaria, com cozinhas e banheiros (inclusive PNE), com água, e uma sensação de Dignidade, estampada no olhar orgulhoso de cada comunitário, onde se vai, 100% da sua formação por Brasileiros originários, quase sempre, de forma hipócrita, discriminados em sua própria terra.
  • Ver gestos muito pequenos de gente grande, auto intitulados “fiscais”, e uma quantidade enorme de medidas arbitrárias, tomadas por “perseguidores (com curso superior) de indígenas “, que, via de regra, são extremamente humildes, e que, pela falta de qualidade no ensino, nem conseguem entender plenamente o básico da língua portuguesa; ruim de mais ver a meia dúzia de xerifes de interior, se achando “poderosos”, num cenário medieval e absolutista, digno da Coreia do Norte.
Muito ruim notar que a mediocridade de caráter pode superar a intelectualidade que ficaria ótima na construção de solucoes, que poderiam nascer através de críticas, desde que construtivas, mas que são péssimas, nas mãos de quem visivelmente tem um espírito que parece misturar tiranis com vilania, em doses industriais .
Vi e ouvi muita injuria racial, todos os dias, que me levaram a pensar num tipo moderno e demagógico da Africa do Sul nos anos 60 e 70, onde autoridades faziam parte da Ku Klus Kan.
Vi pessoas que deveriam estar tentando salvar crianças e idosos, que parecem OVNI, como já exposto, tirando onda de menino do rio (Negro), na sede, enquanto o interior não tem se quer um único mutirão de registro civil, segundo os moradores, há mais de 15 anos, e o Municipio, por conta de uma tenebrosa mistura de incompetência e falta de visão, padece, há anos, (ou desde sempre – entra Prefeito sai Prefeito) mudam os vereadores… E ninguém (que deveria) percebe que seu município, está recebendo menos recursos do FPM, do FUNDEB, Por uma questão facilima de ser detectada e resolvida, quando se usa o conhecimento técnico para o bem dos mais humildes que sempre são hipossuficientes de tudo, inclusive se ajuda verdadeira, e não em proveito próprio ou de pequenas fofocas para favorecer a parentela e os pseudo-amigos.
Tudo isso, no vôo de volta, ouvindo Caetano, parecia sair das letras de “Haiti” e “Fora do ordem“, no fundo, de certo modo, entristece, noutro giro desperta muito a Decisao de nao cruzar os braços e escrever, para ver se podemos ajudar aqueles parentes, que isolados, não tem vez, não tem voz, e por isso se submetem à cenários bizarros na (falta de) Saúde, na (falta de) Educacao e na (falta de) acesso aos DIREITOS mais básicos a que todos nós podemos e devemos ter.
Enorme é a sensação de voltar, ao mesmo tempo, mais humanizado, mais indignado e muito mais reflexivo sobre como dar início à virada de jogo, como quem se reconhece uma pequena fagulha, mas sabe como começam os incêndios .
*O autor é advogado e professor universitário