No Ciclo da Vida a prioridade é o Homem

Na copa frondosa da árvore onde um fino galho balançava pela ação dos ventos, o Uirapuru cantava enquanto toda a mata encantada silenciava para ouvir o seu trinar. Contrastando com aquele quadro de rara beleza, via-se pensativo e tristonho embaixo da mesma um caboclo interiorano chorando a perda de seu único filho que foi
devorado pelo jacaré selvagem, o mesmo que cotidianamente come os peixes que alimentam sua família.

O jogo é muito desigual! A beleza do cantar daquela bela ave não conseguia abafar o grito de dor daquele sofrido
caboclo que procurava sufocar na garganta o seu brado de revolta por não entender a razão de tanto sofrimento. No divagar de suas recordações, lembrava ele que não fazia muito tempo que o interior vivia em festa, pois havia muita fartura e ainda não existiam pessoas xeretando a sua vida e ditando normas comportamentais.

Naquela época ele podia caçar livremente o jacaré para comer e vender a pele, a onça para exportação de seu couro, o porco do mato para fornecer o alimento à sua família, a exploração do pau rosa para a venda de seu precioso óleo que era exportado para o exterior, colher o látex para a fabricação da borracha, derrubar a Itatuba, o cedro, a cerejeira e outras madeiras de lei para a construção de seus barcos regionais que eram destinados ao transporte de pessoas e cargas, colher os ouriços de castanha nos castanhais nativos, podendo vender esses produtos aos grandes empresários da capital sem ter que sujeitar-se ao pagamento de taxas, impostos, emolumentos, licenças, preenchimento de guias, formulários, laudos e demais penduricalhos burocráticos.

Não tendo que sujeitar-se a essas exigências estapafúrdias do mundo contemporâneo, criadas para manter a pesada máquina estatal que sustenta em suas tetas milhões de sanguessugas , ele trazia seus produtos regionais os quais eram permutados em parte por gêneros alimentícios, remédios, pólvora, cartuchos, espingarda, combustível para o motorzinho de rabeta, querosene para manter sempre acesa a poronga no meio dos seringais cerrados quando ele ia fazer a coleta do precioso látex.

O saldo remanescente dessa operação de escambo era para quitar dívidas referente a adiantamentos
feitos com os empresários regatões durante o período da entressafra, e o restante pago em dinheiro vivo. O
interessante era que, com todo esse processo de destruição como assim entendem os falsos ambientalistas
e as ONGS internacionais, o homem do interior convivia em perfeita sintonia com o meio ambiente e vivia ontem muito mais feliz do que hoje. Nos dias festivos como o do santo padroeiro da localidade, havia as atividades religiosas praticadas por um pároco que vinha de um município mais desenvolvido, e também o tradicional leilão de prendas organizado pelas filhas de Maria, cuja receita era destinada a paróquia.

Fazia parte das festividades o famoso arrasta pé que normalmente se realizava em uma casa da comunidade. Essa residência escolhida para sediar o forró era preparada para essa finalidade, sendo que os utensílios domésticos como panelas camas, armários, potes, etc. etc eram colocados em um estrado montado perto do teto.

As camarinhas (quartos), tinham batoques de madeira nas paredes onde eram colocados lampiões a querosene destinados a iluminação, e os buracos existentes no piso eram tapados com pedaços de madeira. Aos primeiros
acordes da sanfona as canoas começavam a atracar no porto em frente da casa e delas saiam as caboclas cheirando a leite de rosas e loção Royal Briar e os homens usando brilhantina Glostora. A maioria das mulheres
usavam vestido de chita com um grande laço amarrado nas costas e calçavam tamancos de salto alto.

A mistura detantos cheiros espalhados pelo ar chegava a ser sufocante quando a festa atingia seu clímax. Essas festas costumavam demorar mais de três dias e eram consumidos muitos porcos, carne de caça, peixe assado e outras iguarias, tudo regado a cachaça, conhaque de alcatrão, zinebra e até biotônico Fontoura. Ao final de nove meses o Boto era pai de mais uma leva de bruguelos. No reduzido campo de análise dimensionado pela sua pouca cultura, mas muito vasto no conhecimento das nossas peculiaridades amazônicas, esse caboclo não conseguia entender as razões de tantas proibições.

Segundo o entendimento daquele caboclo, as normas e regulamentos emitidos por autoridades empavonadas e
prolixas instaladas em suntuosos gabinetes refrigerados em Brasília não tinham o direito de impedi-lo a conviver no meio ambiente de conformidade com as suas tradições e costumes seculares. Hoje tudo lhe é proibido, menos viver relegado a miséria e ao isolacionismo, isso sim, lhe é permitido.

Nota: Dedico esse modesto trabalho in memoriam do Comendador Joaquim Gonçalves de Araujo, a Moises
Gonçalves Sabbá e a Izaac Benzecry, os grandes responsáveis pelos ciclos de desenvolvimento do Amazonas.

 

Dauro. F. Braga

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