Manaus é o meu canto… e o meu encanto

Por Robério Braga*

Faz muito que meus pais chegaram nessa cidade. Pequenos ainda, crianças até, cada um com sua inocência, e, quem sabe, sem esperanças definidas. Ficaram e deitaram raiz para nunca mais sair. Salvador da Bahia, terra de todos os santos, deu o mestre marinheiro, político, jornalista e líder sindical, herdeiro de bravos – um português e uma índia baiana. De Pernambuco, precisamente do Jaboatão dos Guararapes, chegou minha mãe e professora, inspiração e formadora de muitas gerações de amazonenses, herdeira de pernambucanos e holandeses. Abraçados pelo amor construíram família e nessas terras depositamos seus corpos inertes na hora da elevação de seus espíritos reluzentes.

E foram eles que nos ensinaram o amor pela vida, pelo trabalho, pelo estudo e por Manaus, e ensinaram todos os valores éticos e morais que carregaremos conosco pelos tempos afora. Desde cedo fomos penetrando nas entranhas dessa cidade querida e ao procurar redescobrir seu passado, cada vez mais ficamos apaixonados. Conhecê-la na intimidade não tem sido possível porque ela não permite que se faça isso por inteiro – coisa própria das damas mais recatadas -, e quando alguns poetas cantam suas mazelas e suas dores, ela gentilmente silencia e faz raiar um sol ainda mais bonito na beira do Rio Negro, ou escancara o sorriso da juventude que carrega os violinos, as violas, os violões e as sapatilhas, abraçadas com a esperança, como a dizer que o futuro será sempre promissor, apesar de todos os pesares e de todos os azares.

Verdade verdadeira é que ela não se intimida nem se assusta com os humores que lhe deferem cortes ou lhe impõem chagas. Continua bela e viçosa, florando a cada manhã nova, certamente porque conhece muito bem que tudo isso é coisa passageira no vai-e-vem natural de quem já sofreu maldades maiores no passado mais longínquo quando seus filhos e donos da terra foram obrigados a dividir o pão e a ceder em tudo, não sem antes tecer armas, descer rios, fazer armadilhas, tocar fogo e arder nas labaredas, cair e levantar, sofrer massacre e reagir.

O que sabemos todos nós herdeiros desse tronco benfazejo (de baiano e pernambucana), tal como sucede com milhares de outros filhos de muitas terras e de outras origens, é que Manaus é acolhedora, terra de gente boa, humilde e trabalhadora, que se constrói e reconstrói todos os dias, não perde o vigor nem a coragem, insiste em permanecer perto da floresta e sabe cuidar muito bem de seus valores.

Bem sei que cada um teu seu canto preferido nessa cidade de meu deus, e eu também devo declarar o meu, como se fosse um só, e se isso pudesse ser divulgado sem medo nem dó de magoar outros recantos que sempre esperam de mim uma nova declaração de amor. Não tenho um canto, tenho vários, tenho tantos que nem sei como escolher um preferido, mas posso aqui lhe dizer – meu leitor fraterno e amigo -, que por todos os lugares por onde caminho eu sinto o perfume do passado e vejo a luz do futuro; sinto o cheiro da borracha cortada nas calçadas e vejo saindo das fábricas produtos da mais alta tecnologia; ouço o tilintar dos bondes nas linhas de ferro passando e agora o ressoar das músicas que se expandem das salas das residências e dos teatros; vejo as sapatilhas dançando e ouço as vozes dos cânticos clássicos ressoando por entre o samba e o boi-bumbá; sinto a batida dos atabaques e as musas inspirando as novas gerações que vão chegando e podem sonhar com muito mais do que sonhei: com a arte e com o belo. E ter os sonhos realizados.

O que digo ao final para responder a curiosidade de quem me pergunta qual meu canto preferido nessa cidade trezentona? Digo: não há um canto só que me apaixona. O que me faz amar Manaus é seu encanto.

*O autor é advogado, historiador, escritor e exerceu diversos cargos públicos