“Gato” (furto de energia): considerações e defesa do Consumidor

Por Ricardo Gomes*

Lendo uma matéria no Blog mais bem informado da Região Norte, e conhecendo casos similares sobre a acusação de supostas “Ligacoes clandestinas de energia”, tenho observado que essa história parece a moeda de um lado só.

Na prática, sempre li narrativas de um angulo: o das concessionárias / Distribuidoras de energia elétrica, ao identificarem um furto – ou suposto furto – de energia em sua rede elétrica.

Debruçado no assunto, me filio à uma corrente mais moderada, que, antes de tudo, questiona qual o procedimento legal para a configuração, inquestionável do delito ?

E, qual o procedimento adotado (na prática) pelas concessionárias ?

Noutro giro, reflito também sobre os direitos dos consumidores para anular as multas impostas em caso de discordância da acusação deste crime.

Antes de tudo é importantíssimo esclarecer que o famoso “gato”, é a configuração do crime de furto, uma vez que o Código Penal equipara a energia elétrica à coisa móvel[1].

Na outra ponta, há que se ter um mínimo de cautela, por parte da concessionária / distribuidora de energia elétrica, que deve proceder na forma da lei, evitando que ocorra a falsa imputação de um crime ao consumidor, provocando o surgimento lógico de medidas na sua direção, passando de possível autora para o papel de Ré.

Na preliminar da argumentação sobre o que deve ser o procedimento legal para caracterização do crime de furto, o consumidor precisa saber o que é um TOI:

TOI significa Termo de Ocorrência de Irregularidade, conforme o artigo 129, inciso I, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL[2] – Agencia Nacional de Energia Elétrica, e nada mais é do que um formulário, escrito, 99% das vezes, de forma unilateral, pela concessionária / distribuidora de de energia elétrica, na ocasião de suas “inspeções”, na busca pelo que pode ser eventualmente indício de furto de energia em sua rede.

Observando a Legislação e algumas dezenas de Doutrinas / Jurisprudências, sobre o assunto, me parece que nesses casos, o mais sensato seria, da parte da Concessionária / Distribuidora, ao encontrar o que pode ser uma evidência de furto de energia elétrica em sua rede, seria proceder da seguinte maneira:

• Lacrar o medidor de consumo, sem suspender o fornecimento do serviço, pois, a nosso ver, essa medida é necessária para preservar o medidor como fim de prova do crime de furto;
• Emissão do TOI: deve ser emitido na presença do consumidor, que deve acompanhar todas as etapas de inspeção, desde o início, preferencialmente acompanhado de alguém que realmente entenda de instalação elétrica e possa auditar os procedinentos, e ao final, a o documento deve ser lavrado descrevendo todos os dados do consumidor titular e da unidade consumidora supostamente irregular, assim como o período do furto, e a comprovação sobre como a Concessionária / Distribuidora chegou à esse período; a quantidade de energia furtada, descrevendo o método usado para o cálculo dessa quantidade e não usar uma estimativa abstrata, e, por fim, a cobrança referente ao período respectivo.
• Realização de Perícia: a fim de atender os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, levando em conta o fato de que, se o consumidor não concordar com a emissão do TOI, terá o direito de requerer da concessionária perícia técnica no medidor e demais equipamentos (essa perícia deve ser realizada por terceiro que não seja funcionário da concessionária);
• Registrar ocorrência policial, para fins de investigação pela autoridade policial, uma vez que se estaria diante de crime de furto;

Na prática, pelo impacto psicológico negativo de quem recebe a Fiscalização das Concessionárias / Distribuidoras, nunca é assim que as coisas ocorrem, e os Advogados não tem, na sua formação básica, instruções acerca do Direito Regulatorio e quase sempre desconhecem as Normas infraconstituciobais, da ANEEL, agindo mecanicamente, na área criminal, apenas na defesa prévia do Crime de Furto, sem ponderar acerca das circunstâncias anteriores à elaboração do TOI; do acompanhamento, da perícia, das fórmulas de cálculo da suposta quantidade de energia eventualmente furtada, do tempo em que a concessionária estima que tenha ocorrido o Furto, e dos aspectos objetivos que provém, de forma incontestável a Autoria, principalmente em imoveis recem alugados .

Na prática, o que observei de diversas Decisoes revertendo e anulando processos esbaforidos, foi que as concessionárias/ Distribuidoras, na maioria das vezes, agem, (segundo relatos de inúmeros consumidores), em procedimentos arbitrários e ilegais, que em 99% das vezes, impossibilitam o exercício do pleno direito de defesa pelos consumidores.

Na esmagadora maioria dos casos, as concessionária / Distribuidoras de energia tem aplicado diretamente o TOI, quase sempre sem a presença do consumidor, ou, no máximo, com a presença de alguém que apenas acompanha sem entender o que está presenciando, criando o que alguns doutrinadores da matéria chamam de “TOI unilateral”.

O que ocorre mesmo é que, o infeliz do consumidor só tem conhecimento da acusação de furto quando recebe em sua residência um TOI já com a multa imposta e parcelada diretamente na sua conta de luz.

Lamentavelmente a prática é perversa, e, se aproveitando do fato de que quase ninguém se debruça com afinco sobre a questão, as concessionárias / Distribuidoras de energia impõe o pagamento de pesadas da multas, sem demonstrar is critérios de cálculo de como encontrou um parâmetro concreto para mensurar Tempo e quantidade, através da fatura de consumo mensal, impedindo ao consumidor o pagamento da sua fatura apenas com o real consumo de energia elétrica.

Analisando as Jurisprudencias observei que em alguns estados, e, principalmente no meu Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça do Estado, tem entendido que a lavratura do TOI de modo unilateral é considerada ilegítima[3], salvo prova em contrário, pois viola os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Subindo o tom, vejo que a questão já chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por sua vez, no que tange a processos envolvendo TOI[4], entende que caso o consumidor negue a existência do furto de energia a responsabilidade de comprovar a prática do crime é de quem acusa. Portanto, é da concessionária o dever de comprovar a fraude no medidor, pois o TOI unilateralmente emitido é insuficiente para embasar a condenação do crime de furto.

Logo, a meu ver, nos casos em que o consumidor não concorde com as acusações impostas pela concessionária através do TOI unilateral, deverá buscar evidências para demonstrar que não cometeu o furto de energia que lhe foi injustamente atribuído.

Ficou muito claro nas minhas pesquisas que, a principal prova contra a imputação de crime de furto de energia elétrica, é a ausência de alteração da média de consumo mensal após a lavratura do TOI, comparando com período anterior a à inspeção da concessionária.

Para fazer prova da manutenção do consumo após a lavratura do TOI, o consumidor deve ter em mãos as contas de energia referentes ao período anterior e posterior a emissão do TOI. Todavia, se você não tiver tais contas de luz guardadas, não se preocupe: estes boletos são facilmente obtidos no site da concessionária de energia.

Em posse de tais documentos, o consumidor lesado que não praticou o crime de furto pode ingressar com ação judicial pleiteando:

01)           A anulação do TOI emitido de forma irregular;
02)           O cancelamento da cobrança da multa que lhe foi imposta pela concessionária;
03)           A devolução em dobro das parcelas das multas pagas;
04)           Indenização por danos morais;

Quanto à indenização por danos morais, será devida pelo fato de a concessionária atribuir ao consumidor a prática de um crime, o que pode manchar sua honra na comunidade onde reside já seria injustamente maculado com a pecha de “ladrão”.

Além do consumidor ser tratado como um criminoso, acaba por vivenciar uma verdadeira via crúcis para comprovar sua inocência e o que é muito desgastante já que a via judicial seria o único caminho para combater essa prática ilegal da concessionária de energia elétrica.

Estamos selecionando assuntos que ocorrem no dia a dia, com muita incidência de dúvidas e poucos esclarecimentos nas vias normais para pesquisar com profundidade e trazer a nossa versão com o objetivo de gerar uma leitura leve, esclarecedora e útil.

Nossa pesquisa atual:

⁃ Planos de Saúde: quase sempre há uma cláusula, ou apenas a prática de suspender a prestação de serviços, via sistema, automaticamente, com 30 (trinta) dias de atraso, mas, por que num atraso de 90 (noventa) dias, por exemplo, um usuário deveria também os meses que não usufruiu de nenhuma prestação de serviços ?

Continuem enviando seus comebtarios, na parte final do artigo; e também dúvidas e sugestões para pesquisarmis no intuito de gerar mais conteúdo útil.

*O autor é advogado, consultor e professor universitário

Referências e Fontes.

[1] Artigo 155 § 3º do Código Penal, pena: reclusão de 1 a 4 anos e multa.
[2] Art. 129. Na ocorrência de indício de procedimento irregular, a distribuidora deve adotar as providências necessárias para sua fiel caracterização e apuração do consumo não faturado ou faturado a menor. § 1o A distribuidora deve compor conjunto de evidências para a caracterização de eventual irregularidade por meio dos seguintes procedimentos: I – emitir o Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, em formulário próprio, elaborado conforme Anexo V desta Resolução;
[3] Súmula 256 TJRJ: O termo de ocorrência de irregularidade, emanado de concessionária, não ostenta o atributo da presunção de legitimidade, ainda que subscrito pelo usuário.
[4] STJ – REsp 1605703 / SP Recurso Especial 2015/0278756-0. Órgão julgador T2 – segunda turma. Publicação DJe 17/11/2016. Data do Relator Ministro Herman Benjamin.
[5] O que é TOI? Acusação de furto de energia elétrica: como proceder? Vila Nova & Brandao, Advigados