Espancando a Constituição

“Posso ate não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até à morte o direto de você dizê-las.”(Evelyn Beatrice Hall, que escreveu essa frase para ilustrar as crenças de Voltaire).

Diante de mais uma aberração contra a nossa constituição protagonizada pelo STF, vale a pena citar também o trecho da letra da famosa música da MPB-Opinião do grande compositor Zé Keti imortalizada na voz da saudosa Nara Leão: “Podem me prender, podem me bater; podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião….”.
É que essa letra vem bem a calhar com o tenebroso episódio envolvendo o direito de opinião, a imunidade e a inviolabilidade do mandato parlamentar e a patacoada do STF.
O STF consegue o que nenhum outro poder, entidade civil organizada, instituição pública ou privada ou quaisquer um dos 220 milhões de brasileiros até hoje conseguiram contra apenas onze supremos.
O STF consegue relativizar a imunidade parlamentar ou reduzi-la a pó sem nem corar de vergonha.
O STF consegue mais uma vez matar de morte a liberdade de opinião.
O STF consegue eliminar de vez a possibilidade de alguém, mesmo um detentor de mandato, dizer o que pensa.
O STF finalmente decide, e por unanimidade, que um parlamentar em pleno exercício do mandato não pode emitir opinião sobre a vida ou criticar as decisões, os posicionamentos e as escolhas erráticas do seu colegiado. Credo!
Onde fica o devido processo legal? Já é permitido prender e julgar por unanimidade antes de inquirir a parte contrária?
Uma das normas mais eloquentes da justiça é a que diz que ninguém será submetido a uma condenação antes de um julgamento justo.
Porquê não se abriu primeiro um inquérito contra o parlamentar onde este poderia ser ouvido e se defender?
Ele quebrou os paradigmas da ordem pública? Que seja admoestado!
Ele rompeu com os mais nobres ritos da postura parlamentar? Que seja chamado às falas!
Ele feriu os preceitos que protegem e sustentam a harmonia entre os poderes? Que seja processado!
Ninguém está acima da lei nem abaixo porque, como pressuposto constitucional, todos somos iguais perante a lei. Entretanto, há uns que se consideram mais iguais que os outros e isso divide o país em castas daqueles que mandam demais e dos que apenas obedecem. Isso não é admissível numa democracia!
Fico estupefato é com o “silêncio dos bons enquanto nos maus agem”.
Fico estupefato com a rapidez com que a corte suprema do nosso país tomou a iniciativa de ver, julgar, agir e decidir pela prisão, pelo julgamento e pela condenação de um parlamentar e não estou aqui tomando lado tampouco concordando com os arroubos do energúmeno deputado.
Fico estupefato é com o silêncio quase obsequioso do parceiro ideológico e companheiro de lutas do deputado o presidente Bolsonaro que mais uma vez abandona um aliado às traças ou as piranhas.
Fico estupefato é com aqueles e aquelas que deveriam ser os primeiros a bradar contra a mordaça, quais sejam, aqueles que dominam as redações e os editoriais da grande imprensa. Ah! se o STF decidisse fechar uma TV ou um jornal por causa de um editorial mais contundente. O mundo desabaria.
Pobre do parlamento que entre uma Flor de Liz que se aliou e concorreu pra tirar a vida de outro e de um colega de bancada, escolhe primeiro abandonar este mantendo sua prisão e silenciar sobre a outra.
Sinceramente não sei que futuro aguarda nossa nação diante de seguidos assassinatos da nossa constituição.
Não sei que futuro terá nosso país se continuar a permitir que a ditadura da toga impere sobre os demais poderes e sobre toda a nação.
Agora, parecerá covardia e fora de tempo, se o congresso nacional editar qualquer ato que altere a constituição protegendo seus pares, livrando-os das garras afiadas de julgadores sem freios e que agem ora sozinhos, ora em bandos, não sendo alcançados por nada nem por ninguém.
Ficaria mais fácil se o congresso nacional emendasse o Art. 53 da Constituição enchendo-o de vírgulas, ou seja, dizendo o que um parlamentar pode falar e não pode falar, sobre o que pode opinar e sobre o que não pode opinar e sobre o que pode votar e não pode votar. Talvez assim, a turma do STF com essa forma desenhada, melhor compreendesse que vale o que está escrito e nem precisaria queimar neurônios interpretando depois.
Pobre povo e miserável é a nação que se permite numa sequência ilógica e num repetir constante, que a caneta de julgadores pese mais que o disposto numa carta magna.
Nessas horas cinzentas me serve de consolo o fato de saber que somos uma nação em construção, um povo em formação e uma democracia ainda bebê aos 520 anos de vida.
Ainda temos que ralar muito e comer muita poeira nas estradas da vida, para alcançarmos o patamar onde muitas outras nações chegaram à custa de mortos e feridos nas guerras contra inimigos ou nos conflitos internos, necessários pra derrubar muros e romper barreiras das desigualdades sociais e das diferenças perante a lei.
Quando povo e poderes aprenderem seus lugares na sociedade e chegarem à conclusão sobre a importância que cada um tem, alcançaremos definitivamente o olimpo e o galardão merecidos, mas, enquanto esse dia não chega, haveremos de padecer ante as vicissitudes e os erros dos que pensam que mandam mais que a maioria que, acuada no canto, se encolhe calada.
Numa democracia quando um juiz de uma corte suprema num ato ilegal referendado pelos seus pares, usa de contorcionismos jurídicos para subjugar um outro poder, algo não vai bem. Não sei onde vamos parar.
Oremos!
Té logo!