A Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil escolheu ontem sua nova diretoria para o quadriênio 2017/2020. E mais uma vez o nortista Samuel Câmara foi derrotado na disputa pela presidência. É a sua quarta derrota e a maior de todos os tempos. O pastor José Wellington Bezerra Junior foi eleito com 14.675 votos de pastores de todo o Brasil, contra 8.145 de Câmara e 108 do terceiro concorrente, Cícero Tardim.
Nos dias que antecederam a eleição, Samuel e seus aliados conseguiram várias decisões judiciais para anular a inscrição de pelo menos 10 mil pastores e suspender a votação. Alegava irregularidades que iam da existência de falsos pastores a vícios no processo escolhido para a votação. A Convenção conseguiu derrubar todas as liminares e a eleição foi realizada por meio de um sistema eletrônico. A apuração foi concluída às 22h30 (hora de Brasília) de ontem.
As Assembleias de Deus constituem o maior conglomerado de Igrejas do país. Existem outras Convenções menores, mas a CGADB congrega o maior número de filiados no país. Estima-se que o órgão comande mais de 20 milhões de fiéis no país. A denominação, que existe em quase todo planeta, tem no Brasil a sua maior congregação.
No Rio de Janeiro, onde está a sua sede, a CGADB tem um complexo que inclui uma das maiores gráficas do país, a Casa Publicadora das Assembleias de Deus, em Bangu.
Samuel montou uma espécie de conglomerado paralelo. Ele comanda a Rede Boas Novas, que fundou quando ainda era pastor em Manaus, em 1993, e espalhou pelo país graças à aquisição de emissoras em quase todos os Estados. Seu braço direito na empreitada é o irmão, o deputado federal Silas Câmara, muito questionado na Igreja por causa de seus métodos nada republicanos. Hoje, a RBN tem sua sede fincada no bairro de Jacarépaguá, também no Rio de Janeiro.
Apesar de ter judicializado as últimas disputas pelo comando da CGADB, dizendo-se prejudicado pelas artimanhas do grupo adversário, Samuel vem perdendo seguidamente as eleições por outro motivo, que é decisivo numa gigante como a Assembleia de Deus, de 115 anos de existência: a doutrina.
A maioria dos pastores da Assembleia de Deus são extremamente conservadores e discretos. O segredo do crescimento ininterrupto da Igreja está no trabalho de formiguinha de seus membros.
Os escândalos que surgiram nos últimos tempos não envolveram a CGADB e sim o ministério concorrente, o Conselho Nacional das Assembleia de Deus, que foi criado em 1989 a partir de uma dissidência comandada pelo pastor Manoel Ferreira, de Madureira, no Rio de Janeiro. Eram eles que tinham estreita ligação com o ex-deputado Eduardo Cunha, cassado depois de várias denúncias de corrupção.
O estilo “rompedor” de Samuel, que gosta do envolvimento com política e tem em Silas um ponta de lança sempre disposto a algum lance mais arrojado, assusta a maioria conservadora. E doutrinariamente, ele é considerado liberal demais. O fato da Igreja no Amazonas, comandada por outro irmão, Jônatas Câmara, ter adotado doutrina da Igreja em Células – oriunda de denominações neopentecostais – nunca foi bem visto pelos mais tradicionais. Tanto que, no próprio Estado, surgiu uma grande dissidência a partir do ano 2000, a Igreja Assembleia de Deus Tradicional, que rapidamente conquistou adeptos, rejeitando a teria das células.
Em Belém do Pará, para onde se mudou no final da década de 90, com o intuito de assumir a “Igreja-Mãe” (foi na capital paraense que a Assembleia de Deus começou no Brasil, em 1911), Samuel nunca conseguiu superar a barreira conservadora para implantar a Igreja em Células. Sequer conseguiu ter o domínio sobre a Convenção Estadual que seu irmão mais novo tem no Amazonas.
Aos 58 anos de idade, e reconhecido como uma grande liderança da Assembleia de Deus, o acriano Samuel Câmara, que construiu toda a carreira a partir de Manaus, continua tropeçando nas próprias pernas no momento de conquistar o cargo mais alto na hierarquia nacional da maior Igreja evangélica do país.
