Cadáver insepulto

Quantos Josés, Marias e Joões já foram mortos pela opressão nas ditaduras, pela omissão dos governantes ou pelas mãos criminosas dos bandidos comuns e do tráfico?

Quantas inocentes crianças, jovens ou adultos foram assassinados pelas polícias civil e militar em meio ao enfrentamento ao crime organizado nas favelas ou no asfalto?

Quantos cidadãos de bem, trabalhadores, estudantes, donas de casa e transeuntes foram mortos no trânsito pelas mãos de condutores irresponsáveis de veículos leves e pesados nas cidades e nas estradas país afora?
Quantos pacientes morreram por causa da imperícia ou pela negligência de profissionais ou em casas de saúde públicas e privadas sem as menores condições sanitárias para internação?

Quem gritou por essa gente? Quem, no parlamento, bradou em favor desses inocentes? Quem foi às passeatas e cortejos fúnebres clamar por justiça pelos cidadãos mortos nessas condições? Qual foi o veículo de comunicação ou o profissional da imprensa que insistiu nos microfones, nas letras, ou na telinha para que crimes dessas naturezas fossem às últimas consequências na investigação e os culpados fossem severamente punidos? Quem chorou e se condoeu pelos familiares de tantos e tantos inocentes que foram mortos sem que algum culpado sentasse no banco dos réus?

Então porquê cargas d’água dois anos após a morte de uma vereadora e do seu motorista esse crime teima em não sair do noticiário? E porquê a polícia não conclui a investigação, não indicia os suspeitos e envia pra justiça o inquérito concluso?

Porquê até agora o crime não foi federalizado permanecendo num lenga lenga interminável sobre de quem é a competência pra investigar os fatos?

São muitos e indignados questionamentos que me vêm à cabeça ante uma saraivada de publicização interminável por parte de um poderoso grupo de comunicação nacional que insiste em manter sobre a pedra fria do necrotério o cadáver insepulto da indigitada vereadora, posto que o cadáver do motorista entra nessa onda como mero coadjuvante apenas para que não dê muito na vista a preferência pela morte da parlamentar.

Ah se esse grupo poderoso de comunicação insistisse tanto quanto sobre os mortos de Brumadinho e gritasse para que a empresa mineradora pagasse pelos crimes ambientais, materiais e pelas vidas ceifadas!

Ah se essa poderosa empresa mantivesse na mídia o clamor pelos viciados em drogas ilícitas e vociferasse contra os traficantes!

Que bom seria se por parte da poderosa mídia nacional os crimes do colarinho branco e de corrupção tivessem uma programação permanente e um espaço condizente com as graves consequências que esses crimes trazem para a sociedade.

Não! Definitivamente não!

Para a poderosa empresa de comunicação vale tudo para manter em alta apenas o crime contra a vereadora e seu motorista.

Vale horas e horas de chamadas, programas especais, vídeos de publicidade, documentários, filmes, entrevistas, propagandas e tempo de sobra para divulgação.

Se de um lado vemos essa seletividade por parte dessa empresa de comunicação, por outro lado, assistimos embasbacados, uma polícia despreparada, atabalhoada, enrascada e numa eterna crise existencial, exatamente porque age com negligência e imperícia nas investigações. Aliás, toda polícia desvenda o crime que quer, na hora que quer sejam as condições adversas ou não, porque há muita gente no meio que faz corpo mole ou fecha os olhos para certas circunstâncias ou por precaução demais ou por medo ou por proteção a alguns, agindo por seletividade e abandonando as evidências mais robustas e dedicando tempo demais para os atos e fatos somenos importantes, daí que alguns crimes terminam por cair no rol dos “insolúveis” dando espaço e vazão para repetir o lugar comum que diz que o crime muitas vezes compensa.

Parafraseando o moralista francês François La Rochefoucauld que disse:“Falta muito para que a inocência tenha tanta proteção como o crime”, concluo dizendo: sepultemos Mariele já!

Té logo!