Artistas indígenas do Amazonas recebem reconhecimento nacional em exposição

Dois artistas plásticos amazonenses de origem indígena, Duhigó, da etnia Tukano e Dhiani Pa’saro, da etnia Wanano, ambos com 15 anos de carreira, estão recebendo um importante reconhecimento nacional ao participar da mega exposição VaiVém, nos Centros Culturais Banco do Brasil (CCBB). A exposição, fruto de uma ampla pesquisa de doutorado do curador Raphael Fonseca sobre as redes de dormir brasileiras, investiga as representações iconográficas que registram a identidade cultural brasileira, por meio deste símbolo nacional. A VaiVém iniciou em maio deste ano no CCBB São Paulo e já passou também pelo CCBB de Brasília. Amanhã, 26, terça-feira, a exposição abre sua terceira fase de itinerância, agora no CCBB do Rio de Janeiro.

A mega exposição reúne 141 artistas brasileiros representados por mais de 350 obras de arte escolhidas em rígida seleção que elegeu os artistas amazonenses: DuhigóDhiani Pa’saroFüãreicü, da etnia Ticuna e Denilson Baniwa. A VaiVém reúne obras datadas do século 16 ao 21. O destaque de Duhigó e Dhiani Pa’saro aponta para o fato de que até então estes artistas eram conhecidos apenas pelo mercado amazonense e agora entram na lista seleta de artistas nacionais com ampla tendência de consagração nacional e internacional.

Duhigó e Dhiani Pa’saro expõem, trabalhos criados especialmente para a exposição sob a coordenação da Manaus Amazônia Galeria de Arte, especializada no mercado de arte contemporânea produzida na Amazônia, com sede em Manaus. Duhigó apresenta a pintura inédita em acrílica sobre madeira Nepũ Arquepũ (Rede Macaco, na língua Tukano), que narra o ritual de nascimento de um bebê Tukano e a rede como “testemunha ocular” desta cena da memória afetiva da artista. Dhiani Pa’saro, artista da pintura e da marchetaria faz sua estreia em cenário nacional com o quadro em marchetaria Wũnũ Phunõ (Rede Preguiça, na língua Wanano), composta por 40 tipos de madeiras e inspirada em duas variações de grafismos indígenas: o “casco de besouro” (da etnia Wanano) e o “asa de borboleta” (da etnia Ticuna). A exposição no CCBB do Rio ficará em cartaz até 17 de fevereiro de 2020, seguindo para o CCBB Belo Horizonte, última fase da itinerância que encerra em maio de 2020.

Entre artistas renomados das artes visuais brasileiras, como: Bené Fonteles, Bispo do Rosário, Claudia Andujar, Djanira, Ernesto Neto, Luiz Braga, Mestre Vitalino, Tarsila do Amaral e Tunga um outro artista indígena amazonense, Füãreicü, da etnia Ticuna, apresenta sua obra “Repouso de Koch-Grünberg–Alto Rio Negro/Amazonas”, da coleção “Theodor Koch Grünberg – Um viajante na Amazônia” do Instituto Dirson Costa de Arte e Cultura da Amazônia (IDC) e que irá compor o acervo do Museu de Arte e Imaginário da Amazônia (MAIA).

“Longe de reforçar os estereótipos da tropicalidade, esta exposição investiga as origens das redes e suas representações iconográficas: ao revisitar o passado conseguimos compreender como um fazer ancestral criado pelos povos ameríndios foi apropriado pelos europeus e, mais de cinco séculos após a invasão das Américas, ocupa um lugar de destaque no panteão que constitui a noção de uma identidade brasileira”, afirma o curador, que pesquisou o tema por mais de quatro anos para sua tese de doutorado em uma universidade pública.

Com pinturas, esculturas, instalações, fotografias, vídeos, documentos, intervenções e performances, além de objetos de cultura visual, como HQs e selosVaivém ocupa todos os espaços expositivos do CCBB Rio e está estruturada em seis núcleos temáticos e transhistóricos.

Para o artista Dhiani Pa’saro, da etnia Wanano estar na Vaivém é um privilégio, mas também uma conquista, pois são anos de carreira investindo em suas criações de pintura e marchetaria. “Passei quase 3 meses produzindo essa obra que está na exposição e se sinto valorizado através da minha cultura que apresentei nesta obra. Gostaria muito que a obra ficasse em um Museu, para daqui alguns anos meus bisnetos e tataranetos possam fazer pesquisa sobre nossa cultura e ver nos livros de artes”, disse Dhiani.

Já a artista Duhigó, que soma mais uma exposição nacional em seu currículo e está feliz e satisfeita com mais este espaço aberto para sua arte em uma das maiores casas de arte do cenário artístico nacional destaca que “para mim isso é uma porta aberta para a arte feita pelos indígenas que antes não tinham esse espaço. Além disso, estamos junto com os gênios da arte do nosso país. Isso é uma honra”, destacou Duhigó.

Segundo Carlysson Sena, diretor da Manaus Amazônia Galeria de Arte, que representa os artistas Dhiani Pa’saro e Duhigó, a presença destes artistas na VaiVém é um fato para ser comemorado pela classe artística do Amazonas. “É um marco na carreira destes artistas e uma possibilidade positiva que se abre para a arte profissional com tema amazônico, no país e no mundo. O Centro Cultural Banco do Brasil é uma instituição de renome e as pessoas que estão a frente da curadoria e produção da exposição também, o que valida ainda mais o trabalho de qualidade dos nossos artistas”, destacou o galerista de arte.

RECONHECIMENTO DO LEGISLATIVO

A Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) reconheceu o feito dos artistas amazonenses por meio da Manaus Amazônia Galeria de Arte, representante oficial de Duhigó e Dhiani Pa’saro e por meio do deputado Adjunto Afonso (PDT) fez uma Moção de Parabenização ao feito. Já o senado brasileiro, por meio do Senador Omar Aziz (PSD), reconheceu os artistas amazonenses pelo “esplêndido trabalho realizado na exposição VaiVém” que segundo o Senador “expõe, de forma poética e verdadeira, a beleza da cultura amazonense”, destaca Omar no documento oficial do Senado.

EM EXPOSIÇÃO EM MANAUS

Para quem quer conhecer, apreciar e adquirir obras de Dhiani Pa’saro e Duhigó, em Manaus os artistas estão em exposição permanente na Manaus Amazônia Galeria de Arte, no bairro da Cachoeirinha, com atendimento com hora marcada e na Galeria do Largo, no Centro da cidade, na exposição “Nipetirã – Todos”, com entrada gratuita e em cartaz até março de 2020. A primeira edição da Feira de Sustentabilidade do Polo Industrial de Manaus (fesPIM), que acontecerá nesta semana, de 27 a 29 de novembro também contará com obras dos artistas no espaço da Suframa.

ITINERÂNCIA DA EXPOSIÇÃO

Vaivém fica em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro até 17 de fevereiro de 2020. A exposição será também exibida no CCBB de Belo Horizonte (de 10 de março à 31 de maio/2020). A exposição já percorreu os CCBBs de São Paulo e Brasília.

A EXPOSIÇÃO EM DETALHE

VAIVÉM está estruturada em seis núcleos temáticos e transhistóricos. São eles:

Resistências e permanências

A rede de dormir é pensada por artistas indígenas, na maioria, que a associam a uma marca da luta pela sobrevivência das culturas originárias brasileiras. Aqui o objeto rede pode ser visto como signo de resistência e permanência: “Mesmo com séculos de colonização e com as recentes crises políticas quanto aos direitos indígenas, elas [as redes] se perpetuaram como uma das muitas tecnologias ameríndias”, avalia o curador. 

Neste segmento, a maioria das obras é produzida por artistas indígenas contemporâneos, como Arissana Pataxó. No vídeo inédito Rede de Tucum, ela documenta Takwara Pataxó, a Dona Nega, única mulher da Reserva da Jaqueira, em Porto Seguro [BA], que ainda guarda o conhecimento antigo sobre a produção das redes feitas com fibras das folhas da palmeira Tucum.

A autoditada Carmézia Emiliano começou a pintar em Roraima. Ela ficou conhecida por telas que registram o cotidiano dos indígenas Macuxi. Na mostra, Carmézia apresenta telas feitas para VAIVÉM e trabalhos mais antigos.

Também da etnia Macuxi, Jaider Esbell criou para a exposição a instalação A capitiana conta a nossa história. A uma rede de couro estão presos um texto de autoria do artista e documentos sobre as discussões em torno das áreas indígenas em Roraima.

Outro destaque é Yermollay Caripoune, que, vivendo na região do Oiapoque, entre a aldeia e a cidade, participou de poucas exposições fora do Amapá. Na série de seis desenhos, especiais para VAIVÉM, ele registra a narrativa dos Karipuna sobre a origem das redes de dormir.

Ainda neste núcleo, trabalhos de artistas consagrados e ativistas das causas indígenas, como Bené Fonteles e Claudia Andujar, e o objeto de Bispo do Rosário – Rede de Socorro, uma pequena rede de tecido onde se lê o título da obra. 

A rede como escultura, a escultura como rede

Toda rede de dormir, pensada para o uso do corpo humano, é também uma escultura no espaço. Este núcleo coloca em diálogo redes criadas por associações de artesãs indígenas e não indígenas e trabalhos de artistas reconhecidos pelo sistema da arte contemporânea.

No foyer do CCBB Rio, estará Rede Social, uma instalação interativa do coletivo carioca  Opavivará!, com oito redes unidas umas às outras que convidam o público a se deitar e balançar ao som de chocalhos, presos a elas.

Uma animação do jovem artista Gustavo Caboco, de Curitiba, filho de mãe indígena, que discute seu pertencimento à cultura ameríndia no Brasil, e o vídeo de selfies enviadas por mulheres em redes de dormir, de Salissa Rosa, nascida em Goiânia, e de pai indígena estão neste espaço.

De Hélio Oiticica foram selecionadas fotografias da menos conhecida série Neyrótika e, de Ernesto Neto, um conjunto de obras do início de sua carreira, nos anos 1980, onde redes não aparecem literalmente, mas são sugeridas em uma dinâmica de tensão e equilíbrio.  A ação Trabalho, de Paulo Nazareth, ganha aqui nova versão. Através de uma oferta de emprego anunciada em jornal, o artista contratou um funcionário, que deverá permanecer deitado em uma rede instalada no CCBB Rio durante oito horas por dia, até o fim da mostra.

Ainda neste segmento, há uma homenagem a Tunga, com uma nova versão da instalação Bell’s Fall, de Tunga que inaugurou o CCBB São Paulo, em 2001. A obra usa uma rede vazada para içar elementos inertes. Ainda de Tunga, os registros fotográficos da performance 100 Rede, realizada em 1997 na Avenida Paulista, com 100 figurantes munidos de uma rede cada um com utensílios de cozinha, milho, ossos e uma galinha viva, circulando, para se encontrarem em um ponto da avenida paravam para deitar em redes na calçada. 

Olhar para o outro, olhar para si

As redes chamaram a atenção dos europeus desde o início da invasão das Américas. Sendo uma tecnologia desconhecida por eles, sua forma foi disseminada em mapas, pinturas, livros de viajantes e, posteriormente, fotografias e filmes. Este núcleo traz documentos e imagens de artistas históricos e viajantes, como Hans Staden, Jean-Baptiste Debret e Johann Moritz Rugendas, que registram aspectos da vida local durante a colonização, mas também criam narrativas fantasiosas, porque havia então a prática da cópia e da adaptação sobre gravuras de outros autores.

A partir da pergunta como diferentes artistas contemporâneos indígenas olham para si e paraas redes de dormir, o curador propôs a este grupo desconstruira visão eurocêntrica dessas imagens de seus antepassados e propor novas narrativas.

Entre eles estão, do Amazonas – a pintora Duhigó Tukano, que apresenta a inédita tela Nepũ Arquepũ (Rede Macaco), sobre o ritual de nascimento de um bebê Tukano, e Dhiani Pa’saro, que expõe a marchetaria Wũnũ Phunô (Rede Preguiça), composta por 33 tipos de madeira e inspirada em duas variações de grafismos indígenas, o “casco de besouro” (Wanano) e o “asa de borboleta” (Ticuna).

O coletivo MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin), do Acre, criou para VAIVÉM uma pintura mural que faz referência ao canto Yube Nawa Aibu, para trazer força e abrir os caminhos em cerimônias tradicionais. Já Denilson Baniwa, vencedor Prêmio PIPA online 2019, nascido no Amazonas e residente no Rio de Janeiro, fez intervenções digitais e físicas sobre obras de artistas brancos que retrataram povos indígenas. 

Disseminações: entre o público e o privado

A praticidade das redes como mobiliário para viajar e no âmbito doméstico foi apropriada pelos portugueses, franceses e holandeses que invadiram o Brasil. Neste segmento, estão obras em que as redes são associadas a aspectos cotidianos, de meio de transporte a práticas funerárias. Devido à abertura dos portos a não portugueses em 1808, aumentou o número de publicações sobre o país e a disseminação da rede de dormir por meio de gravuras.

Um dos destaques contemporâneos aqui é Dalton Paula, pintor afro-brasileiro de Goiás, que lança um olhar sobre as narrativas a respeito da negritude no Brasil desde a colonização, e nas fotografias de Luiz Braga estão as redes de dormir em cenas do dia-a-dia no Pará.

Modernidades: espaços para a preguiça

As redes começaram a ser vistas como algo que ia contra o processo civilizatório e o desejado progresso industrial da jovem nação, depois da proclamação da república em 1889. Foi nesta época que surgiram publicações que ligavam a rede à preguiça. Esta associação se perpetuou no nosso imaginário social. O núcleo começa com essas imagens e reflete sobre como, a partir do começodo século 20, as redes foram associadas não apenas à preguiça, mas à estafa e à necessidade de descanso decorrentes do trabalho braçal e o calor tropical.

Lugar importante desse percurso histórico é ocupado por Macunaíma (1928), livro de Mário de Andrade, em que o personagem principal passa grande parte da narrativa em uma rede. Representações de Macunaíma aparecem aqui em diversas linguagens.

Em exposição estão as primeiras ilustrações para publicação Macunaíma por Carybé, um desenho pouco exibido de Tarsila do Amaral – Batizado de Macunaíma – e a adaptação da história para HQ por Angelo Abu e Dan X, lançada em 2016. 

Joaquim Pedro de Andrade dirigiu o longa-metragem que, estrelado por Grande Otelo, completa 50 anos em 2019. Neste espaço também estão Djanira, com o raro autorretrato Descanso na rede, e peças de mobiliário desenhadas por Paulo Mendes da Rocha Sergio Rodrigues. 

 

Invenções do Nordeste

Neste núcleo estão trabalhos que convertem em imagens mitos da relação entre as redes

e a região geográfica, como a associação delas  com a seca e a migração para o sudeste. Outros ítens expostos são um elogio ao nordeste, tendo a rede como símbolo de orgulho da potente indústria têxtil local.

Destaque para uma série de fotografias de Maureen Bisilliat pelo sertão nordestino e as cerâmicas de Mestre Vitalino que retratam grupos de pessoas enterrando entes dentro de redes. 

O Rio de Janeiro é a terceira itinerância de VAIVÉM, que já passou por São Paulo e Brasília, e daqui segue para o CCBB Belo Horizonte. 

Encontro com o curador

Acontece dia 18 de dezembro de 2019, às 18h30, o bate-papo ilustrado com o curador de VAIVÉM Raphael Fonseca, sobre “Construções do Brasil no vaivém da rede de dormir: de pesquisa acadêmica para uma exposição transhistórica“.

CCBB 30 anos

Inaugurado em 12 de outubro de 1989, o Centro Cultural Banco do Brasil celebra 30 anos de atuação com mais de 50 milhões de visitas. Instalado em um edifício histórico, projetado pelo arquiteto do Império, Francisco Joaquim Bethencourt da Silva, o CCBB é um marco da revitalização do centro histórico do Rio de Janeiro e mantém uma programação plural, regular, acessível e de qualidade. Mais de três mil projetos já foram oferecidos ao público nas áreas de artes visuais, cinema, teatro, dança, música e pensamento.  Desde 2011, o CCBB incluiu o Brasil no ranking anual do jornal britânico The Art Newspaper, projetando o Rio de Janeiro entre as cidades com as mostras de arte mais visitadas do mundo. Agente fomentador da arte e da cultura brasileira segue em compromisso permanente com a formação de plateias, incentivando o público a prestigiar o novo e promovendo, também, nomes da arte mundial.

Qual Sua Opinião? Comente:

Deixe uma resposta