Celeste Caeiro, de 88 anos, é uma mulher lembrada em seu país pelo oferecimento de flores e pela denominada Revolução dos Cravos, num momento de tantos “espinhos”, de autoritarismo e de ódio, mas também, de muita esperança e de gritos de liberdades que ecoavam na Europa e na África.
Ainda jovem, baixinha, muito pobre, criada sem pai, trabalhando em diversos serviços para sobreviver, num gesto de curiosidade e de amor, Celeste cravou o seu nome na história de Portugal.
A terra de Celeste passava por inquietações políticas e sociais. A ditadura salazarista já tinha resistência de parte do exército e da sociedade civil. As colônias portuguesas não suportavam mais viver sem independência, como Guiné-Bissau, Moçambique e Angola. Os nacionalistas lutavam sem trégua e desgastavam a imagem da ditadura perante a opinião pública mundial e sangravam os recursos financeiros do governo português, tornando o estado permanente de guerra insuportável aos ditadores lusitanos.
Celeste caminhava pelas ruas da cidade de Lisboa, no dia 25 de abril de 1974. Fazia um ano que começara a trabalhar num comércio de venda de comidas. Era preciso chegar logo, ainda nem havia amanhecido. Trazia na mente lembranças das duas irmãs que, assim como ela, foram criadas somente pela mãe, depois do abandono do pai.
Chegou muito cedo ao posto de trabalho, mas estava fechado. Nem o dono e nem os clientes estavam lá. A gerente veio ao seu encontro e disse que não abriria o comércio porque portugueses anunciavam uma revolução contra o governo. Pediu a ela que retornasse a sua casa, mas antes deveria passar no armazém e levar os cravos que foram comprados para a comemoração de um ano de abertura do estabelecimento.
Com os cravos nas mãos, Celeste saiu curiosamente para olhar a tal revolução e saber do que se tratava. Na rua da capital, encontrou um grupamento de militares que estava aguardando ordem para derrubar o governo salazarista. Um jovem militar exausto, já impaciente, lhe pediu um cigarro. Ela percebeu que não havia comércio aberto na área, não tinha cigarros e nem comida para vender.
Com um gesto de ternura e de sinceridade, ofereceu-lhe um dos cravos que carregava nos braços, ele aceitou. Outros militares também pediram os cravos na cor vermelha ou na cor branca. Isso motivou outras pessoas a entregarem flores aos jovens revolucionários. Os cravos foram expostos nas bocas dos fuzis dos militares. A Revolução foi denominada de Revolução dos Cravos.
Depois daquele dia, a história de Portugal mudou e a dela também. O País rompeu com a ditadura salazarista, escreveu uma Constituição moderna, a democracia tornou-se a Forma de Governo, as liberdades foram consagradas na Carta Maior e as colônias conquistaram suas independências.
Celeste continua até hoje andando sorridente pelas ruas portuguesas, conhecida como a mulher das flores. Humilde, mãe solteira, vivendo num local simples, assistida financeiramente pela única filha, que também não teve a companhia de um pai, mas anunciando a todos que, mesmo nas adversidades da vida, as flores carregam esperança e amor.
Atualmente, na pátria dos amorosos Luís de Camões e Fernando Pessoa, o gesto de Celeste é lembrado no dia 25 abril, data da celebração da Revolução dos Cravos, com troca de flores entre os patrícios, como símbolo das liberdades e de esperança. Mesmo o mundo passando por pandemia, os portugueses não se esqueceram das flores.
A vida não é só decepções, intolerâncias e consumo sem freios. É também a leveza das flores, o refúgio da esperança, a proliferação da liberdade e a beleza da jovem que ofereceria flores na revolução.
*O autor é sociólogo, analista político, advogado e membro da Academia de Letras e Culturas da Amazônia.
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