Corra! Gengis Kan Vem Aí. Ou Será Fake News?

O ano era 1992, ainda na faculdade de comunicação, tendo passado pelas redações da TV Amazonas (Globo) e TV ACrítica (SBT), eu e 3 amigos (Otacílio Amato, Ângela Premoli e Paulo César) criamos a 45 Graus Filmes, a nossa primeira empresa de produção de vídeo. Era ano eleitoral e fomos contratados pela Conecta Vídeo (baseada em São Paulo) para indicar os profissionais locais da Campanha José Dutra Prefeito. O ex-deputado federal do Amazonas era apoiado por Artur Neto e Gilberto Mestrinho, prefeito e governador na época, respectivamente. Os principais adversários? Nada mais, nada menos que Amazonino Mendes e Eduardo Braga, os políticos/gestores que viriam a dominar a administração do Amazonas e de Manaus nas próximas décadas.

Aprendi muito com os publicitários de marketing político naquela campanha. Tive ainda a satisfação de conhecer e apertar a mão de Ulisses Guimarães, o “Senhor Constituinte de 1988” e ícone do PMDB, que veio para um grande comício da coligação. Ainda lembro de muitos episódios interessantes daqueles dias. Os programas eleitorais na TV e Rádio demoravam muito tempo (20, 30, 40 minutos) por isso a equipe era grande e o trabalho cansativo para gerar conteúdo. Os dias de campanha duravam mais tempo também.

Fui contratado como coordenador de produção, no que seria minha primeira grande experiência numa equipe profissional de campanha eleitoral. Assistíamos à transmissão dos programas numa grande sala. Todos com bolinhas de papel nas mãos prontos para jogar na TV assim que o programa do adversário começava (pura diversão). Os programas eram de embate. Na época um vídeo nosso que causou polêmica mostrava Amazonino Mendes junto com o médico cirurgião famoso Ivo Pitangui, passeando num iate no Rio Negro. Amazonino comentava que tinha 5km de praia no litoral paulista e que já era o homem mais rico do Amazonas. Um locutor finalizava a peça com a frase: “Que vidão hein, abelhinha!” (em alusão ao símbolo da abelha usado por ele). Claro que a frase virou bordão para curtir com quem achávamos que “estava levando um boa vida”.

Nossas pesquisas qualitativas indicavam que geralmente ganhávamos os embates eleitorais na TV. Um dia, no entanto, a coisa mudou, A campanha adversária passou a fazer enquetes “arrasadoras” em que um repórter entrava num ambiente público e perguntava: em quem você vai votar? Plano sequência (sem cortes), as pessoas respondiam: Amazonino. 10, 12 respostas. Dutra: uma vez.

Dois, três programas do adversário já nos mostravam que “as enquetes” foram uma grande “sacada” deles. Como desconstruir essa peça publicitária tão eficaz? Uma mentira. Um engodo… Brainstorming de uns 20, 30 minutos uma ideia foi aprovada. Produção complicada. Dois dias de trabalho, com resultado espetacular. Colocamos 40, 50 pessoas num ônibus. Um repórter dava início a uma enquete dizendo: – Hoje vamos mostrar como é fácil enganar você. Em quem você vai votar? Plano sequência, câmera se movimentando rapidamente de um entrevistado para outro, as pessoas (orientadas e ensaiadas) na sua maioria respondiam: tambaqui. Uma ou outra votava em jaraqui ou tucunaré (rs). Fizemos mais duas produções  da “enquete tambaqui” em ambientes diferentes. Pronto. Estava desmontada a peça eleitoral do adversário. Nessa campanha tomei um choque de realidade política eleitoral. Para vencer valia tudo, incluindo mentir, ludibriar, enganar. Nosso programa também não tinha pudores. Perdemos aquela eleição.

A mentira, o engodo e o uso da ilusão são inerentes ao ser humano. E desde de sempre foram usadas como instrumento de poder e dominação. Assunto profundamente analisado por pensadores clássicos e modernos.

Sun Tzu, no século V a.c. (livro A Arte da Guerra) já dizia:

“Toda a guerra baseia-se no engano.”

“Se és capaz, finge incapacidade; se estás pronto para atacar, finge que não estás.”

Para Sun Tzu o valor da verdade era relativo ao êxito da estratégia: enganar o inimigo significava preservar vidas e vencer com menos destruição. O engano aqui é tático, não moral.

Com Nicolau Maquiavel (1469-1527), o engano deixa o campo de batalha e entra no governo dos homens. O príncipe deve parecer virtuoso, mesmo que não o seja — porque o poder depende da imagem, não da essência. Nasce a ideia moderna da política como teatro, em que aparência e manipulação são meios legítimos de governar. (O Príncipe, 1513)

Com Friedrich Nietzsche (1844-1900), o engano deixa de ser apenas ferramenta e torna-se condição da existência:

“A verdade é uma forma de ilusão sem a qual a humanidade não poderia viver.” (do livro Além do Bem e do Mal)

Para ele, o homem cria mitos, crenças e “verdades” para suportar o caos da vida. E o poder consiste em definir quais ilusões serão aceitas como verdade.

Com George Orwell (1903-1950), o engano atinge sua forma mais sombria: o Estado totalitário que fabrica a verdade. O controle da informação se torna o novo campo de batalha. A mentira deixa de ser exceção e vira método de governo, onde linguagem e memória são moldadas para garantir dominação (fácil identificar isso nos dias de hoje, independente de viés ideológico). (obra: 1984)

Atualmente nas redes sociais, a mentira perde o monopólio das elites e se democratiza: qualquer pessoa com celular na mão pode criar e espalhar “verdades” próprias. O que antes era manipulação de cima para baixo (Estado, Igreja, império) agora é manipulação em rede, amplificada por algoritmos que priorizam emoção, choque e polarização. As fake news são o produto final dessa evolução:

            •          não visam mais apenas enganar, mas criar realidades paralelas;

            •          não dependem de líderes, mas de sistemas automatizados que premiam o engano eficaz (exemplo: “fazendas de celulares” contratadas para promover uma marca, pessoa ou produto, um posicionamento político ou mentiras).

O engano começou como estratégia militar, virou ferramenta política, tornou-se estrutura filosófica e, hoje, é mecanismo tecnológico de poder distribuído. O que mudou não foi a mentira em si — mas quem a controla e como ela circula.

            E o que Gengis Khan (1162 a 1227 d.c) tem a ver com tudo isso? O primeiro grande imperador Mongol que forjou o maior império contíguo (com terras que se conectam) da história e que conquistou vastas regiões da China, Pérsia, Europa e partes do leste europeu; era um grande estrategista da comunicação. Ele fazia o seguinte:

 Treinava e mandava um grupo de homens e mulheres à cidade que ele queria conquistar. Lá como “fofoqueiros” eles disseminavam  “estórias” de como o exército de Gengis era cruel com os inimigos (foi um dos mais sanguinários). Diziam que não poupavam nem mulheres, velhos e crianças, criando narrativas detalhadas… Quando Gengis Khan chegava para o cerco da cidade, ou a encontrava vazia ou só com poucos habitantes. A maioria fugia.  Assim Gengis economizava recursos e poupava a vida de seus guerreiros. Os historiadores dizem que ele gostava muito da guerra psicológica e da propaganda do terror.

E hoje? Como saber se o que você ouve é mentira? Do mesmo modo que nas primeiras civilizações: desconfiando da intenção da mensagem, consultando várias fontes (inclusive com receio de quem se autointitula “verificador de autenticidade”) e buscando a “verdade”. Mas não morra por isso. Afinal se você ouvisse: Gengis Khan vem aí!!! Corra! Você esperaria para ver se seria “fake news” ou não? Eu com certeza correria.

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