BR-319: uma aventura do blogueiro pela estrada, hoje totalmente trafegável e transformada em um grande canteiro de obras que a está deixando pronta para o tão sonhado asfalto do “trecho do meio”

Escrevo em primeira pessoa para expressar melhor o que vi e senti nos dois dias em que fui e voltei de Humaitá pela BR-319. Estive em companha de políticos, gestores e vários colegas da mídia, entre eles a repórter Karla Melo, da TV Amazonas. Ela me confessou que estava ali para exorcizar um fantasma que a perseguia desde 2023, quando tomou um ônibus para mostrar as condições da rodovia e acabou passando quatro dias presa em atoleiros junto com os outros passageiros, entre eles uma mãe com um recém-nascido. Faltou água e comida. A jornalista chegou a acompanhar os companheiros de infortúnio em jornadas na madrugada em busca de leite para a criança, já que a mãe, nervosa, não conseguia lactar. Tornou-se um trauma. Dessa vez ela foi e voltou em segurança por uma estrada totalmente diferente e trafegável nos 690 quilômetros que separam Manaus da simpática cidade interiorana, que é uma espécie de capital do Sul amazonense.

Na ida acompanhei a caravana organizada pelo senador Eduardo Braga (MDB) e liderada por ele e pelo colega Omar Aziz (PSD). Os dois são hoje os principais articuladores da investida que visa permitir a concessão da licença para o asfaltamento do chamado “trecho do meio” – cerca de 405 quilômetros entre os municípios do Careiro, Borba e Humaitá. Saímos de Manaus às 5h30, atravessamos para o Careiro da Várzea a partir do porto da Ceasa e embarcamos em vários veículos, fazendo diversas paradas para conferir obras, ouvir anúncios, visitar comunitários que queriam fazer reivindicações, comer e até participar de um mini-comício na comunidade Realidade. Ainda assim, fizemos o percurso em 15 horas no total, desembarcando no nosso destino às 20h30.

Na volta o veículo em que eu estava veio “solto”, sem comboio nem comitiva. Parando apenas para almoçar em um dos canteiros de obras espalhados pela rodovia, saímos de Humaitá às 7h e chegamos no porto do Careiro da Várzea às 15h22. Dali a travessia para Manaus leva cerca de 20 minutos. Portanto, voltamos em 8h44, quase metade do tempo de ida. Mas é preciso detalhar o que vi na ida (mais influenciada pela agenda política) e principalmente na volta, quando pude me dedicar mais a observar o que estava acontecendo.

O que há de diferente hoje na BR-319

Pupulam nas redes sociais vídeos de gente duvidando que a licença para o “trecho do meio” saia. Desde meados dos anos 80 a estrada foi abandonada e progressivamente tornou-se intrafegável. No caminho encontro pessoas que reproduzem uma lenda segundo a qual um governante (evitarei citar os nomes aventados em respeito à memória dos políticos, que já não estão mais aqui para se defender) teria mandado “arrancar” o asfalto da estrada para favorecer donos de balsas que transportam mercadorias em bens pelo rio Madeira. Há quem jure de pés juntos que o gestor seria sócio de um grande empresário da cabotagem.

Um dado me leva a pelo menos desconfiar de que a lenda possa ser realidade: no “trecho do meio” ainda há placas de asfalto (pequenas, é verdade), que indicam a colocação de um material de qualidade ali, que durou mais de cinco décadas – a rodovia foi aberta pelo Regime Militar no início dos anos 70.

Nestes cerca de 45 anos desde que a rodovia se deteriorou de vez, muitas vezes apareceu alguém prometendo repavimentá-la. O caso mais famoso é o do atual presidente do Partido Liberal (PL) no Amazonas. Quando foi ministro dos Transportes nos governos dos petistas Lula e Dilma, ele se esforçou para obter a licença, sem sucesso. Foi sua maior frustração e o principal motivo de ter sido apeado das disputas majoritárias – ele havia sido prefeito de Manaus duas vezes e chegou a disputar o Governo em 2010, quando era senador.

As promessas não cumpridas revoltaram e tornaram a população discrente. No período surgiu um movimento fundamental, que explica o fato da BR-319 estar há tanto tempo abandonada: o lobby ambientalista. Para estes, asfaltar o “trecho do meio” propiciará o surgimento de uma “espinha de peixe” – nome que eles dão à proliferação de novos ramais ao longo da estrada. Isso, na opinião de quem se opõe ao licenciamento, geraria uma degradação ambiental sem precedentes na área mais preservada da floresta amazônica.

Durante o trajeto de ida, o senador Omar Aziz rebateu a tese em conversa comigo. “Você está vendo essa vegetação aqui nas margens? Acha mesmo que isso aqui não será fiscalizado em caso de asfaltamento? Não é bem assim como eles dizem. Estamos provando isso”, disse ele (veja o vídeo ao final do texto).

A diferença fundamental hoje, em relação aos outros períodos em que houve promessas de repavimentar a rodovia, é que ela não está mais abandonada. Não há neste momento a menor possibilidade de alguém viver o drama que Karla Melo e seus companheiros de viagem viveram em 2023. A estrada virou um canteiro de obras.

Vamos por partes:

Entre o Careiro da Várzea, passando pelo Careiro Castanho e chegando até o quilômetro 200 a rodovia é asfaltada. Está em bom estado no geral, com quase nenhum buraco. O chamado “lote Charles”, que começa no quilômetro 198, começou a receber asfalto recentemente. A ideia é que todo o trecho que chega perto da travessia do rio Igapó-Açu, no quilômetro 260, seja entregue até o final do ano. Por isso o motorista que trafega por ali deve ter atenção. A pista tem muitas máquinas trabalhando e material sendo colocado na base. Conferi de perto que estão fazendo ali um trabalho de qualidade. É asfalto do bom. Neste percurso também vi que a ponte sobre o rio Curuçá está praticamente pronta e a ponte sobre o rio Autaz Mirim já tem as bases fixadas. As duas desabaram no final de 2022, inclusive com vítimas fatais. E há um edital na rua para a construção da ponte sobre o Igapó Açu, aonde a travessia hoje e feita por balsa.

Aliás, os senadores também trabalham para fazer em concreto as cerca de 40 pontes de madeira que existem a partir do quilômetro 260. É igarapé pra todo gosto, alguns bem secos, outros caudalosos. Curiosos são os nomes dos cursos d´água. Tem de tudo: Sol, Lua, Esperança, Minas Gerais, Manicoré, etc.

Estamos no temido “trecho do meio”. Só que Karla Melo começou a sofrer antes dele, no quilômetro 190, hoje asfaltado. Ali ela encontrou o primeiro dos muitos atoleiros. Hoje eles desapareceram. Explico como: O Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (DNIT) mudou a estratégia de manutenção da estrada. Antes ele apenas reagia, não fazia nada no período das chuvas e se limitava a socorrer os veículos atolados com suas máquinas. Agora decidiu espalhar vários estoques de material ao longo do percurso e implantou a drenagem nos locais mais críticos. Sim, encontrei veículos pesados parados ao longo do trajeto, mas isso porque, em alguns locais, a chuva faz com que a pista fique escorregadia. Os motoristas ainda estão se acostumando à nova realidade, que exige outro tipo de cuidado: o controle da velocidade para evitar a derrapagem.

São muitos os trabalhadores e as máquinas que encontramos ao longo do percurso no “trecho do meio”. Isso simplesmente não existia antes. Me arrisco a dizer que há mais trabalhadores que moradores neste trajeto. Paramos em uma das poucas comunidades para ouvir reivindicações. Chama-se Jacaretinga. Os moradores colocaram os senadores dentro de uma pequena escola de madeira, com uma sala só, sem banheiro, e pediram que construíssem outra ali, completa.

Vi algumas poucas fazendas ao longo de toda a viagem. Uma tímida criação de gado. Fumaça só nas proximidades de Humaitá, já fora do “trecho do meio”. Aliás, o asfalto só está de volta nas proximidades o nosso destino final, mas o distrito de Realidade, que fica a 90 quilômetros da “capital do Sul”, está com a pista principal pronta para receber o asfalto. Ali, aonde moram cerca de oito mil habitantes – o maior contingente populacional ao longo de toda a estrada, foi aplicado o “anti-pó”, que reduz a poeira e a lama.

Os maiores perigos da estrada

O maior inimigo do motorista que trafega hoje pela BR-319 não são os buracos, atoleiros ou qualquer problema na pista. É a poeira levantada pelos veículos que “cega”. A tal ponto que dois veículos que estavam na nossa comitiva na ida colidiram porque o que vinha atrás simplesmente perdeu a visão do que estava à frente. Nada de mais grave. A dica neste caso é desacelerar até enxergar o que está na frente. Na volta nosso único susto ocorreu no momento em que enfrentamos a poeira por mais de dois quilômetros sem saber o que estava na frente e quase colidimos com um caminhão. Felizmente nosso motorista, hábil, evitou o pior.

Outro perigo se deve às obras. Em alguns trechos a rodovia está tendo seu leito levantado, para evitar novos atoleiros e receber um asfalto de qualidade. Isso cria pequenas “paredes” que o motorista tem que escalar devagar, quase parando, para não decolar. É bom ter atenção para isso nos trechos aonde estão os trabalhadores.

Também é bom não “colar” em outros veículos nos trechos em obras, porque junto com a poeira podem vir na sua direção pedrinhas que costumam trincar vidros de automóveis, a chamada pissarra.

Sim, fiz a ida e volta em veículos 4×4. Isso facilita demais o trajeto. Mas me arrisco a dizer que um carro popular, trafegando devagar, pode viajar pela rodovia e fazer o trecho entre Manaus e Humaitá em 10 a 12 horas. Aliás, vi vários veículos pequenos trafegando pela estrada neste final de semana.

A conclusão que tirei depois dessa saga é a de que estamos mais próximos do que pensamos da realização deste sonho de quase cinco décadas. Eduardo Braga tem grande parcela de responsabilidade nisso. Foi dele a ideia de levantar o leito da pista. A medida facilita a drenagem, acaba com os atoleiros, mas também prepara a estrada para receber o asfalto.

Quem me acompanhou na jornada voltou com a mesma impressão.

Veja as entrevistas com os senadores

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