Barata voando e estoicismo

A barata está entre os bichos mais asquerosos do mundo, todos nós sabemos. Ela provoca nojo por diversas razões, como sua capacidade de se arrastar mesmo com as vísceras expostas após um pisão ou chinelada (rs). A fama de poder sobreviver até em explosões nucleares é verdadeira. Sua resistência à radiações e produtos químicos, aumenta a impressão de que é quase imortal e difícil de eliminar. Cientificamente, essa resistência está ligada a genes de quimiorrecepção e desintoxicação, que a ajudam a sobreviver em ambientes hostis e a se alimentar de praticamente tudo, aumentando seu caráter “nojento”. Então é normal que simples mortais tenham “medo”, asco e repugnância pela barata.

Um grande amigo, Einhart Jacome da Paz, publicitário e estrategista de marketing, tendo realizado grandes campanhas políticas no Brasil (Fernando Henrique Cardoso e Ciro Gomes, entre eles), Portugal e Espanha, um dia me contou a seguinte história:

Um CEO de uma grande empresa nos EUA precisava contratar um diretor para um gabinete de gerenciamento de crises. Mais ou menos 20 candidatos foram selecionados para uma prova final. Eles (homens e mulheres) foram colocados numa pequena sala monitorada por câmeras de vídeo. Duas mesas, oito cadeiras, sem janelas, mal cabiam todos lá. Fizeram-os esperar sem nenhuma informação por uma hora. Quando os candidatos começaram a demonstrar sinais de stress físico e mental, sem aviso eles soltaram no ambiente uma grande barata cascuda voadora.

É fácil imaginar o que aconteceu. A barata voando de um lado para o outro na sala. Homens e mulheres disputando as poucas mesas e cadeiras para subir nelas. Gritaria, desespero, chiliques, suor frio, tremores, empurra-empurra, gente caindo, gente desesperada… Uns tentavam arrombar a porta. Outros se encolheram num canto. Houve até quem orasse pedindo ajuda dos céus… O caos permaneceu por vários minutos ATÉ QUE: alguém (quem sabe uma mulher) tirou um sapato e eliminou a barata. O CEO tinha ali a diretora da sua equipe de gerenciamento de crise. Aquela pessoa que teve a frieza de analisar a situação e resolver o problema.

Já vivi muitos momentos “barata voa”na minha vida. Vou contar um dos primeiros dos quais me lembro… No ano 2000, trabalhando em mais uma campanha eleitoral para governador do Amazonas, vivemos vários  momentos de stress (toda boa campanha tem que ter). Tínhamos fundado a VT Quatro Comunicações em 1993 e com um aporte de capital unicamente do meu pai, Warly Bentes Pontes, compramos os melhores equipamentos de produção de vídeo na época. Sempre gostei de estar na vanguarda das inovações tecnológicas. Adquirimos um sistema de edição digital, o AVID Media Composer 1000, um dos primeiros do Brasil. Na época só nós e a Rede Globo possuíamos esse equipamento (a primeira novela da Globo montada de forma digital, o Rei do Gado, foi editada com esse sistema). A assistência técnica era realizada por uma empresa de São Paulo, que deu assessoria em toda compra dos equipamentos. No primeiro problema que o principal hardware da ilha de edição apresentou tivemos que pagar diária, passagens aéreas e hotel para um técnico vir resolver a pane na máquina. Um dia em Manaus seria o bastante. Não tive dúvidas, ao invés de uma, pagamos três diárias, um fim de semana, e eu colei no “Haj” (ele era indiano). Pedi e ele me ensinou a “lógica da máquina” e quais os problemas (umidade da amazônia entre eles) poderiam ocasionar panes. Aquela foi a única vez que Haj nos visitou (rs).

Voltando ao ano 2000, um pouco antes de entregar o programa eleitoral ao TRE – Tribunal Regional eleitoral, o nosso cliente, Eduardo Braga (um dos homens mais inteligentes que já conheci – pensamento cartesiano), chegou para assistir e aprovar a edição dos programas de TV e Rádio. Um ajuste ou outro, tudo certo… vamos copiar na fita. De repente toda a timeline do programa ficou offline na grande tela do computador da Apple, o Macintosh. Quando o cliente e os assessores entenderam o problema, entraram no modo “barata voa” (rs). Eu não conseguia pensar direito e pedi gentilmente que todo mundo saísse da ilha de edição. Me tranquei por dentro, sozinho. Primeiro liguei para a juíza do TRE que comandava o pleito, expliquei a situação, assumi a responsabilidade como profissional e consegui permissão para entregar a fita depois do horário estabelecido pelo tribunal. Em seguida comecei a desmontar o hardware AVID. A esta altura, Eduardo Braga batia na porta querendo entrar – “eu quero o meu programa” (rs). Eu mantive a calma, abri a máquina  e tirei as placas, limpei as conexões e até soprei os slots de encaixe. Tudo colocado de volta no lugar, liguei e… bingo! Lá estava o programa. Abri a porta e todos entraram. Copiamos e entregamos a fita. Cliente satisfeito. E mais calmo (rs).

Qual a maior lição de marketing e gerência de crise do “barata voa”? “Você não pode controlar O QUE ACONTECE com você. Mas pode controlar suas REAÇÕES DIANTE DO QUE ACONTECE com você”. O que não sabia na época é que esse é um princípio da Filosofia Estóica.

O estoicismo é uma filosofia helenística fundada em Atenas por Zenão de Cítio (c. 334–262 a.C.). Seu núcleo é a busca pela VIRTUDE (areté) como o bem supremo e pela tranquilidade interior alcançada por meio da razão e do autodomínio diante dos acontecimentos externos. O estoico acredita que a vida boa não depende da fortuna, do poder ou do prazer, mas da capacidade de agir conforme a razão e a natureza.

Entre os pensadores estoicos, os meus favoritos são o filósofo grego Sêneca (Lucius Annaeus Seneca) – o estoicismo prático, que diz:

“Não é que temos pouco tempo, mas que perdemos muito.”

“A verdadeira felicidade é… desfrutar o presente sem dependência ansiosa do futuro.”

E o imperador romano Marco Aurélio (Marcus Aurelius) – o imperador filósofo, o mesmo que aparece retratado no famoso filme “O Gladiador”, de Ridley Scott. Entre muitos ensinamentos Marco Aurélio escreveu:

“Você tem poder sobre sua mente, não sobre os eventos. Perceba isso, e encontrará força.”

“Tudo o que ouvimos é uma opinião, não um fato. Tudo o que vemos é uma perspectiva, não a verdade.”

Gosto ainda muito do princípio que diz: “Esteja preparado para o pior, desejando e trabalhando pelo melhor.”

Assim gosto de pensar conforme o estoicismo, nos meus relacionamentos pessoais (poucos) e profissionais. E Hoje não tenho vergonha de admitir que falhei no maior “barata voa” da minha vida. Eu paralisei vendo a barata voar para todo lado e encolhi no meu canto quando deixei a VT Quatro ir à falência (quem sabe um dia conto essa história). E você, caro leitor? Como tem se comportado diante de situações de crise tipo “barata voa”? Você grita, corre, se encolhe no canto esperando tudo passar OU ANALISA A SITUAÇÃO, LOCALIZA O PROBLEMA E MATA A BARATA? Me conte.

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