A asfixia financeira dos empréstimos: consignados/cartão de crédito

Pela ótica dos direitos mais básicos do consumidor, sem nenhum esforço, nem profundidade, tamanho o absurdo, analiso a situação, pela qual observo, neste momento, dezembro de 2025: mais de ⅔ dos servidores públicos, aposentados, pensionistas, beneficiários do bolsa família, e do BPC / LOA (incluindo menores de idade e alguns incapazes), sob o prisma da Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e das especificidades jurisprudenciais do STJ e do TJAM. A situação configura um cenário clássico de vício de consentimento e abuso de direito por parte das instituições financeiras.

Abaixo, traço uma sugestão de mapa estratégico para atuação.

  1. Diagnóstico e Caminhos Administrativos (A Via Rápida).
    Antes de judicializar, a via administrativa serve para constituir prova da má-fé da instituição financeira e da tentativa de resolução amigável (o que fortalece o interesse de agir no judicial).
  • Requerimento de DED (Demonstrativo de Evolução da Dívida): O primeiro passo é exigir de todos os credores o contrato original, o extrato de pagamentos e o DED. Muitas vezes, o banco se recusa ou demora a fornecer, o que já gera presunção a favor do consumidor.
  • Procon e Consumidor.gov: Registrar reclamações focadas não apenas nos juros, mas no vício de informação (Art. 6º, III do CDC).
  • Argumento: “O consumidor foi ludibriado. Pensou contratar empréstimo com parcelas fixas, mas foi inserido em cartão de crédito consignado (RMC/RCC) ou teve seguros embutidos sem solicitação (Venda Casada).”
  • Pedido de Repactuação Extrajudicial:
    Com base na Lei 14.181/21, notificar o banco para suspender cobranças que excedam o Mínimo Existencial e propor um plano de pagamento que preserve a subsistência do devedor.
  1. Caminhos Judiciais (A Via Resolutiva)
    Aqui reside a verdadeira força para quebrar o ciclo da dívida eterna. A estratégia deve ser
  2. dividida em duas frentes:
  3. Ação de Repactuação de Dívidas (Superendividamento)
  4. Esta é a ação “guarda-chuva”. O objetivo não é apenas anular um contrato, mas somar todas as dívidas e estabelecer um plano de pagamento compulsório.
  5. Fundamento: Preservação do mínimo existencial (Art. 6º, XII, CDC).
  6. Estratégia: O juiz instaura um processo de conciliação. Se os credores não comparecerem ou não aceitarem o plano sem justa causa, o pagamento dos juros e multas
    é suspenso, e o principal é parcelado em até 5 anos.
    B. Ação Anulatória Específica (Foco no RMC e Venda Casada)
    Para os contratos fraudulentos (Cartão RMC e Seguros não solicitados), a ação deve ser individualizada e agressiva.
  7. Tese do RMC (Reserva de Margem Consignável): O consumidor acreditava contratar um empréstimo consignado tradicional (juros menores, prazo fim), mas foi empurrado para um cartão de crédito onde o desconto em folha cobre apenas o “pagamento mínimo”, gerando juros sobre juros (anatocismo) no saldo devedor.
  8. Tese da Venda Casada: Seguros “prestamista” ou “residencial” incluídos no contrato sem opção de escolha. O STJ (Tema 972) define que o consumidor deve ter liberdade de escolha da seguradora.
  9. Análise Jurisprudencial: STJ e TJAM (IRDR)
    Este é o ponto crucial para fundamentar as petições no Amazonas.
  10. O Posicionamento do STJ
  11. Dever de Informação: O STJ é rígido quanto à clareza. Se o contrato de cartão RMC não deixa claro que é um cartão (e não um empréstimo), há vício.
  12. Limitação de Descontos: O STJ mantém a tese de que os descontos em conta-corrente e folha não podem comprometer a subsistência, orbitando na regra dos 30% a 35% (soma de consignados + cartão).
    O Posicionamento do TJAM (IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas)
    O Tribunal de Justiça do Amazonas possui um entendimento consolidado e muito favorável ao consumidor nestes casos, especificamente através do IRDR nº 5 (Processo 0005703-91.2023.8.04.0000 e correlatos).
  13. Tese Fixada (Síntese): É ilegal a contratação de cartão de crédito consignado (RMC) quando o consumidor pretendia apenas um empréstimo consignado, configurando erro substancial.
  14. Consequência Jurídica no TJAM: O contrato de cartão de crédito é nulificado. O juiz determina a conversão do negócio jurídico para empréstimo consignado simples, aplicando-se as taxas médias de mercado do BACEN para consignados (muito inferiores às do cartão).
  15. Expectativa de Resultado: Extinção, Redução e Danos Morais Como conselheiro, é preciso gerenciar expectativas com base na estatística forense atual:
  16. Quanto a Dívida : pode ser Reduzida ou Extinta?
  17. Nos casos de RMC (Cartão Consignado):
  18. Cenário Comum: A dívida não é “perdoada”, mas recalculada.
  19. O Cálculo: O tribunal pega tudo o que o consumidor já pagou ao longo dos anos (que o banco dizia ser só “juros do mínimo”) e usa esse valor para abater o capital emprestado inicialmente.
  20. Resultado Prático: Em muitos casos, descobre-se que o consumidor já pagou o empréstimo duas ou três vezes. O resultado é a extinção da dívida e, frequentemente, a condenação do banco à devolução em dobro do que foi pago a mais (Repetição do Indébito), gerando um crédito (“troco”) ao consumidor.
  21. Redução Média: De 100% (quitação total) a reversão para crédito a receber.
  22. Nos Empréstimos Comuns (Superendividamento):
  23. A redução ocorre pelo alongamento do prazo e corte de encargos moratórios abusivos. A redução do montante global gira em torno de 30% a 40% do valor exigido pelo banco, trazido a valor presente sem juros abusivos.
    Cabimento de Danos Morais:
    Aqui há uma divergência, mas a tendência do TJAM é positiva quando há má-fé evidente.
  24. Mero Aborrecimento vs. Dano Moral: Se for apenas um erro de cálculo de juros, os juízes tendem a negar o dano moral.
  25. O Caso do RMC e Seguros Embutidos:
    Como envolve ludibriar o consumidor (vulnerável, muitas vezes idoso ou funcionário público de baixa renda), o Dano Moral é amplamente reconhecido no TJAM.
  26. Valores Médios:
  27. As condenações por danos morais no Amazonas para casos de RMC abusivo oscilam, em média, entre R$ 5.000,00 e R$ 10.000,00, dependendo da gravidade e do tempo que o consumidor ficou preso à dívida.
  28. Resumo do Aconselhamento:
  29. Ação Imediata: Ingressar com Ação Declaratória de Nulidade de Cláusula Contratual c/c
  30. Repetição de Indébito e Danos Morais (Foco no RMC).
  31. Pedido Liminar: Solicitar a suspensão imediata dos descontos do RMC ou a limitação dos descontos totais a 30% dos vencimentos líquidos.
  32. Prognóstico: Alta probabilidade de transformar a dívida impagável em quitação (pelo aproveitamento dos valores já pagos) e recebimento de indenização

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