Quem já fez uma viagem internacional sabe como é tenso passar pelo serviço de imigração. Certa vez, de férias com a Fabíolla Sampaio (minha ex-esposa) chegamos a Miami, nos EUA. Basicamente o oficial confere três coisas: quem é você, qual o seu objetivo naquele país e quanto tempo vai ficar. As famílias fazem a checagem de documentos juntos. Fui o primeiro, o agente olhou pra mim e pra foto do passaporte, fez as perguntas de praxe… Respondo, ele olha de novo conferindo mais uma vez a foto (nessas horas é uma dádiva ser careca, rs) e me libera. Na vez da Fabíolla a checagem complicou. Na foto do passaporte ela estava com o cabelo preto. Pessoalmente, ali, o cabelo estava louro. O agente começou a dizer que NÃO, a foto NÃO BATIA com o rosto dela (rs). Ele chamou outra oficial e esta teve a mesma conclusão. Para piorar a situação, Fabíolla puxou outro documento – carteira de motorista – com uma terceira foto diferente dela (rs). Pronto, pensei, vamos ser deportados porque as mulheres gostam de mudar a cor do cabelo. Levaram só ela para uma sala interna e me liberaram. Lá, ela ficou entre uma e duas horas convencendo os oficiais que ELA ERA ELA MESMA (rs). Depois de liberada rimos dessa história, mas a situação foi apavorante.
Lembrei dessa história por causa de um debate que acompanhei num grupo do Facebook que troca “prompts” (comandos) de geração de fotos, imagens criadas por inteligência artificial. A questão era: POSSO CONSIDERAR E APRESENTAR ESTAS FOTOS DE IA COMO SENDO EU MESMO?
Essa é uma questão debatida pela filosofia desde o século XIX. No seu nascimento, a fotografia trouxe consigo uma promessa e uma ameaça: a promessa de mostrar o real como ele é — e a ameaça de que o real talvez nunca mais fosse o mesmo depois dela.
Quando a primeira imagem fotográfica surgiu, em 1839, o mundo acreditou ter conquistado a verdade visível. A luz, antes efêmera, podia agora ser fixada num papel. Mas logo veio a dúvida: seria essa luz uma revelação do mundo ou sua encenação técnica? O mundo viu na fotografia um divisor entre arte e ciência.
Para os positivistas, ela era o triunfo da objetividade — a máquina que finalmente libertava o olhar humano de suas imperfeições. Mas poetas e pensadores, como Charles Baudelaire (Le Public Moderne et La Photographie, 1859), reagiram com desconfiança. Em 1859, ele denunciou a “idolatria da aparência” (alguma identificação com a atualidade?), dizendo que a fotografia não podia ser arte, porque não criava — apenas copiava. Outros, como Hippolyte Bayard, ironizaram essa crença no real: posou como cadáver em uma foto, encenando sua própria morte para mostrar que a imagem pode mentir com absoluta verossimilhança. O suposto espelho do real revelava-se, já ali, um espelho da ilusão.
Com a era digital, a fotografia perdeu seu vínculo material com o real. A luz deixou de gravar-se na matéria e passou a ser traduzida em dados — o real convertido em algoritmo. Vilém Flusser, em (Filosofia da Caixa Preta, 1983), antecipou esse salto:
“O fotógrafo é o funcionário do aparelho.”
A imagem torna-se programa, e o olhar humano, uma função de escolha entre possibilidades pré-definidas. Não se captura mais o mundo — programa-se sua aparência.
Jean Baudrillard, em Simulacros e Simulação, nos anos 1980 foi além:
“O simulacro não oculta a verdade — ele oculta que não há verdade.”
Na cultura das imagens, o real deixa de ser referência e passa a ser efeito.
A fotografia, antes espelho, torna-se máscara: um mundo de superfícies que não refletem, mas produzem sentido. O olhar já não busca o verdadeiro, e sim o verossímil, o convincente, o que se pode compartilhar.
Nas redes sociais, a imagem deixa de retratar o outro e volta-se para o próprio eu. Cada selfie é uma autobiografia visual, uma narrativa cuidadosamente composta. Como diz Byung-Chul Han, em A Sociedade da Transparência (2012):
“A exposição é a nova forma de poder.”
A fotografia digital não testemunha mais a realidade; ela a fabrica como performance. O sujeito não é mais observado — ele se oferece à observação.
Com as imagens geradas por IA, o ciclo se completa. A fronteira entre real e ficção se dissolve: O QUE É VISTO PODE NUNCA TER EXISTIDO. A fotografia, que nasceu como prova do real, transforma-se em prova da imaginação técnica. Hoje, o problema já não é saber se uma imagem mente — mas saber se ainda precisamos do real.
Da câmera de Daguerre às redes neurais da IA, a imagem percorreu o caminho inverso da verdade: de testemunha do mundo, tornou-se instrumento de poder, memória e manipulação. O que antes registrava o real, agora o reinventa.
E talvez, como suspeitava Walter Benjamin (A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica, 1936), o preço da reprodução técnica seja perder não apenas a “aura” da arte — mas a aura do próprio mundo.
Voltando à questão: POSSO CONSIDERAR E APRESENTAR ESTAS FOTOS DE IA COMO SENDO EU MESMO?
Caro leitor, a resposta a essa pergunta é muito, muito pessoal. É determinada por QUEM VOCÊ É E NO QUE VOCÊ ACREDITA. Tenho estudado IA (todos deveriam, ela veio para ficar) e a vejo como um INSTRUMENTO, uma FERRAMENTA eficaz que pode, como tudo usado pela Humanidade, servir ao bem ou ao mal.
Já criei (sim considero que eu criei porque o comando foi meu) fotos minhas vestido de superman, de Batman, de cavaleiro de Game Of Trones, em encontro casual e divertido com meus atores preferidos, com minha banda preferida (A-HA) e até discutindo o tarifaço com o presidente Donald Trump na Casa Branca (rs). Nada diferente do que faz a produção (com muito dinheiro) de vários ensaios fotográficos ou cinematográficos reais. Ou quando você se veste para um baile à fantasia (já fui fantasma da ópera), ou ainda numa reunião de cosplay. Ou seja, nós sempre podemos fabricar ilusões.
Nas imagens (irreais de fato) sou eu mesmo, com minhas rugas e traços faciais. São verdadeiras? Não. São fantasia. Uma diversão viciante, por isso há de se ter cuidado. E para saber se o que você vê no Instagram e Facebook é real ou não (realidade ou imaginação), basta observar no canto superior esquerdo de cada publicação e lá vai estar escrito: informação de IA. Regra da Meta. Portanto, não há mal em divertir-se. Divirta-se! Mas não se vicie não se perca em mais este NOVO MUNDO DE ILUSÃO.
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