– Panela de pressão!!!! Olha a panela de pressão!!!!!
Assim gritava o vendedor ambulante que quase toda semana passava na nossa rua quando eu era adolescente lá em Parintins (AM). Chamava a minha atenção aquele senhor com uma grande quantidade de coisas penduradas de todo jeito numa bicicleta de carga (em Parintins a bicicleta é o maior meio de transporte da cidade). Parecia um papai noel dos trópicos (rs). Ali tinham muitas coisas para seduzir a dona de casa: bugigangas, enfeites, utilidades domésticas etc. Eles vendiam à prestação e tinham tudo anotado nas suas cadernetas, por isso eram chamados popularmente de prestanistas. No dia do vencimento mensal lá estava ele na porta, pronto para cobrar “o boleto oral” e fazer novas vendas. Era assim que minha mãe, D. Marilene Monteiro fazia suas comprinhas, numa espécie de “shopee porta a porta”. Relação puramente comercial.
No interior da Amazônia outro personagem muito importante era o regatão, nome dado ao vendedor/dono do barco e ao barco cheio de mercadorias que percorria os rios e parava nos portos de casas e comunidades ribeirinhas. Os regatões vendiam produtos de primeira necessidade: feijão, arroz, açúcar, sal, macarrão e enlatados, na sua maioria. Eles dificilmente ofereciam “bobagens”. No máximo, balas e bombons para a criançada. Esses comerciantes também faziam a troca de suas mercadorias por pesca, caça e produtos extraídos da floresta como castanha da Amazônia, cacau, frutas e a farinha de mandioca. Os regatões criaram um vínculo com aquelas pessoas invisíveis. Prestaram um grande serviço para a sobrevivência e o desenvolvimento de comunidades do interior da região norte do Brasil no século passado.
Vendedores de porta a porta ainda existem, mas os regatões acredito que não mais. Passou o tempo e hoje nossas “casas” também são virtuais. Todos os dias somos abordados em nossas redes sociais pelos propagadores de coisas: úteis, inúteis, bugigangas emocionais ou espirituais, fofoca, ideologias, futilidade, vícios, produtos, marcas, informação e conhecimento. Atualmente quem são estes “prestanistas virtuais”? Estes “regatões digitais”? Será que seriam os auto-intitulados INFLUENCERS?
A palavra influencer (em inglês) existe há séculos, com sentido genérico de “aquele que exerce influência”. A etimologia remonta ao latim influĕre (“fluir para dentro”). O uso mais específico de “influencer” ligado ao marketing e às redes sociais é muito recente — o uso começou a se consolidar já nos anos 2010, talvez como estratégia de venda criada dentro de uma agência de publicidade, usando pessoas famosas, jogadores e atores. A literatura acadêmica refere ao conceito de “opinion-leader” (“líder de opinião”) e “influencer” como a pessoa que exerce maior alcance ou impacto que os demais, mas não afirma quem atribuiu formalmente o rótulo. Dicionários de língua inglesa passaram a registrar “influencer” no sentido atual relativamente recentemente (por exemplo, em 2019 no Merriam-Webster) como termo de marketing/social.
O Influencer exerce um poder contemporâneo que deixou de impor-se pela força e passou a agir pela sedução. Nas redes sociais, a influência é medida em visibilidade e afeto. A autora Alice E. Marwick — Status Update: Celebrity, Publicity and Branding in the Social Media Age (Yale University Press, 2013), é muito citada como um das primeiras a estudar conceitos como auto-promoção e micro celebridade, e como o “status” se constrói nas plataformas. Ela observa que “a visibilidade tornou-se uma forma de capital social” — e, com ela, o prestígio substitui a verdade como critério de legitimidade.
As redes sociais transformaram a estrutura da opinião pública: segundo Alice Marwick (2013), a lógica da celebridade migrou da mídia tradicional para o cotidiano digital. A visibilidade passou a ser o principal capital simbólico. Essa mudança cria uma esfera em que a influência depende menos da autoridade racional e mais da capacidade de atrair atenção e emoção — um deslocamento da razão pública para o sentimento compartilhado.
O influencer representa essa mutação. Sua autoridade nasce da promessa de autenticidade, mas, como nota Theresa Senft (2008), essa autenticidade é performada: uma intimidade encenada, calibrada para gerar confiança e engajamento. A manipulação não precisa mentir — basta parecer sincera.
Em termos foucaultianos, trata-se de uma nova governamentalidade neoliberal: o sujeito torna-se “empreendedor de si” (Foucault, 1979), administrando emoções como capital. A exposição constante, apresentada como liberdade, converte-se em forma de controle. Byung-Chul Han (2012) chama isso de “violência da positividade”: todos se mostram voluntariamente, acreditando exercer autonomia, enquanto se tornam previsíveis e governáveis. Para Hannah Arendt (1967), a perda da verdade fática antecede a perda da liberdade.
Nem toda influência é negativa. Nancy Baym (2015) mostra que os influencers também constroem laços genuínos (como os regatões), educam, inspiram e articulam comunidades de apoio. Podem ampliar o acesso à informação, democratizar vozes minoritárias e desafiar monopólios da mídia tradicional. Mas essa mesma intimidade, quando monetizada, converte-se em uma forma de capital afetivo, no qual a confiança é explorada economicamente. E é aqui, na ânsia de ganhar dinheiro, que as redes sociais nos levam de volta aos instintos e vícios humanos: exploração da sexualidade (incluindo as dancinhas sensuais do tik tok), trapaças, golpes financeiros, mentiras para manter os poderosos no poder, opiniões ideológicas vendidas como jornalismo.
Assim a figura do influencer sintetiza as tensões centrais da sociedade digital:
é um mediador simbólico, trabalhador precarizado e instrumento de poder. Sua influência sobre a opinião pública é ambivalente — pode empoderar ou manipular, dependendo do modo como o capital da atenção é usado e das condições técnicas que moldam sua visibilidade. O influencer governa não pela coerção, mas pela sedução, pelo exemplo e pelo afeto.
Na economia da atenção, onde emoção vale mais que razão, a esfera pública se fragmenta em opiniões e afetos. O influencer não impõe ideias — ele molda percepções. É o mediador de uma política suave, que governa pelo desejo. Percebemos então que a figura do influencer encarna a ambiguidade de nosso tempo: é voz e eco, sujeito e instrumento, símbolo de uma era em que a manipulação já não precisa ocultar-se — pois se confunde com o prazer de ser visto.
E como “consumidores” de todo este universo oferecido na nossa porta (redes sociais) por estes novos “prestanistas” e “regatões”, como devemos nos comportar? Lembrando: compra quem quer. Por isso eu acredito que podemos agir como as “mulheres mães” que abrem a porta de casa para olhar mercadorias, como muito critério sobre o que realmente é útil. Meu conselho é não compre “bugigangas”, “penduricalhos”, “inutilidades” e o que lhe faz mal. Não alimente seu espírito com artificialidade e emoções baratas e fugazes. Lembre-se que por trás da busca desesperada por seguidores há na verdade uma corrida diária por ganhos financeiros. Desconfie sempre. E para finalizar, preciso dizer, que no meu caso, e acredito que de muita gente, influencers mesmo na minha vida foram meus pais, professores, religiosos e um ou outro “ídolo” como Zico, Ayrton Senna e Renato Russo (Legião Urbana). E você? Quem ou o quê influencia suas crenças e escolhas?
Referências essenciais
• Marwick, Alice E. Status Update: Celebrity, Publicity, and Branding in the Social Media
Age. Yale University Press, 2013.
• Senft, Theresa M. Camgirls: Celebrity and Community in the Age of Social Networks.
Peter Lang, 2008.
• Duffy, Brooke Erin. (Not) Getting Paid to Do What You Love. Yale University Press,
2017.
• Foucault, Michel. Nascimento da Biopolítica. 1979.
• Han, Byung-Chul. A Sociedade da Transparência. Vozes, 2013.
• Arendt, Hannah. Verdade e Política. In: Entre o Passado e o Futuro. Perspectiva,
1972.
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