Sobre os ataques à Zona Franca

Por Samuel Hanan*

Concordo com os objetivos do Governo de buscar a Reindustrialização do país e fazer com que os produtos industrializados cheguem mais baratos nas prateleiras dos estabelecimentos de Varejo, tornando-os mais acessíveis à população. Discordo, porém, de pretender implantar o processo começando pela Desindustrialização do seu maior Parque Industrial de duas rodas e um dos únicos da indústria eletroeletrônica. A população tem o direito de conhecer o plano governamental (se é que existe). Transparência é relevante e ajuda a acreditar que estamos vivendo num país democrata. Certa feita disse Louis Brandeis, ex -Ministro da Suprema Corte Norte-Americana: ‘’A luz do Sol é o melhor desinfetante.‘’

Vamos aos últimos ataques da área econômica do governo federal ao Amazonas.

(1) falta da verdade (prometer e não cumprir é pior que mentir). Por duas vezes prometeu excluir os produtos da ZFM/PIM e no mesmo dia editou novo decreto e não excluiu. Pior, desrespeitou o Governador tendo descumprido a promessas assumidas nos 2 encontros de marco deste ano (09/03 e 27/04);

(2) reduzir a carga tributária, sim, e é um imperativo inadiável. Agora começar pela redução dos impostos compartilhados com Estados e Municípios, é ignorar a realidade da situação financeira da grande maioria das unidades federativas, sobretudo das 3 regiões mais empobrecidas do país. E aqui convém explicitar que o IPI e o IR são os dois impostos compartilhados mencionados;

(3) cumpre esclarecer que as 3 regiões: Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as mais empobrecidas do país e compostas por 19 Estados + Distrito Federal e 2709 Municípios, tem, na maioria esmagadora dos municípios, forte dependência das receitas provenientes dos repasses constitucionais (não são favores e nem bondades, são obrigatórios) dos fundos de participação: FPE (21,5% das receitas do IPI+IR) e FPM (22,75% das receitas do IPI+ IR). Assim, começar a redução da carga tributária pela redução de 35% do IPI, parece desconhecimento ou insensibilidade de um gestor;

(4) É imperioso destacar que a União, em 2021, teve Gastos Tributários da ordem de R$320 bilhões (renúncia de cerca de 4,1%do PIB), e para o ano corrente algo próximo de R$380bilhões (4,5% do PIB), dos quais mais de R$ 200 bilhões retirados dos impostos compartilhados. É fácil constatar que prática comum dos governantes é o de preservar o máximo possível seu quinhão e sacrificar o dos Estados e Municípios. Me atrevo a nominar, que é um Atentado ao Princípio Federativo.

(5) Os Estados e municípios das três regiões mais empobrecidas vem contribuindo compulsoriamente com R$ 58,84 bilhões /ano, via redução dos repasses constitucionais face a renúncia da União com os referidos impostos (IPI e IR);

(6) É bom lembrar que todos os entes federativos são obrigados a destinarem percentual de suas receitas dos impostos e repasses constitucionais, em educação e saúde.

Para maior clareza explicitamos a seguir (i) Educação: Estados e Municípios 25% e União 18% (ii) Saúde: Estados 15% e Municípios 18%. Não precisa nem de inteligência e nem de especialistas para concluir o montante de recursos financeiros tirados da Educação e da Saúde, com a perversa e insensível prática de renunciar impostos compartilhados. Digo perversa pois todos sabemos a enorme carência nas áreas prioritárias da população: educação e saúde.

(7) o tamanho do desastre pode ser traduzido para as 3 regiões mais empobrecidas do país: Educação montando R$ 14,65 bilhões e na Saúde R$ 9,51 bilhões. Volumes de recursos indispensáveis para que os governadores (19+1 – DF) e prefeitos (2709) possam exercer, em sua plenitude, suas obrigações.

(8) Penso ser relevante destacar que, também por uma filigrana jurídica a União só tem obrigação de investir em educação 18% dos impostos. Onde está a filigrana? Simples, as Contribuições, por não serem impostos, mas sim tributos, estão excluídas. Vamos aos números: em 2021 as arrecadações da COFINS, CSLL e outras contribuições ultrapassaram a R$400 bilhões. Outra deformação da federação, está na distribuição dos recursos, a União fica com parcela maior do que a soma das parcelas pertinentes aos Estados e Municípios e mesmo assim, a União prioriza as renúncias fiscais sempre (como o fez agora no famigerado Decreto número 11055 de 28/4/2022, que reduz em 35% as alíquotas do IPI) em um dos impostos compartilhados.

Embora seja permitido que a redução de alíquotas de um imposto como IPI se de pôr um decreto, temos que admitir, que um ato por decreto possa revogar um direito constitucional (ADCT – art 40, 90, 92 A) como a Zona Franca, seria tornar letra morta a vontade do constituinte. Quando estes formalizaram que “é mantida a zona franca”, significa que são mantidas as vantagens comparativas, portanto decretos que não respeitam estes direitos constitucionais equivalem a uma negação da Constituição e geram insegurança jurídica não reparável.

(9) O comportamento de retirar recursos das regiões menos desenvolvidas está contrariando, formalmente os dispositivos constitucionais dos Arts 3, 43, 151, e 165 (parágrafos 6 e 7), que determina que as renúncias fiscais priorizem as correções das desigualdades regionais e sociais. Na prática, os governantes tem optado pelo aprofundamento das desigualdades. Vamos recorrer aos números para comprovação da nossa afirmação:

A soma das Regiões Norte + Nordeste + Centro-Oeste representa 82,39% da área territorial brasileira, ocupada por 45,71% de nossa população, e participa com apenas 29,77% do PIB -Brasil.

Já o admirado Estado de São Paulo, sozinho, ocupando 2,97% da área territorial do Brasil e habitado por 21,16% da população, produz 31,56% do PIB Brasil. Que Federação!

(10) A desejável e almejada redução da carga tributária deveria começar pela mudança da prática de se tributar consumo. Hoje, no Brasil mais de 43% das receitas tributárias tem origem no consumo e apenas pouco mais de 21% vem da renda capital. Verdadeiro Manicômio Tributário, que funciona como fábrica de pobreza e do aprofundamento das desigualdades;

(11) Vamos abordar o assunto ZFM, tão perseguida por vários governos, inclusive o atual: a renúncia fiscal da União é de apenas R$26-28 bilhões (no Universo de R$380 bilhões/ ano) e é a única com garantia constitucional (Arts 40, 92,92A do ADCT, da CF/88), mas é sempre ela que pretendem atacar, reduzindo ou subtraindo direitos, via garrotes administrativos (demoras excessivas nas aprovações de projetos) e também via reduções de alíquotas, sem nenhuma compensação aos investidores e governo. Estranho! Curioso! Tem cheiro de preconceito!

Outra vez vamos recorrer aos números para comprovar que a ZFM, ou não é Franca ou tem outras Zonas Franca, não constitucionais instaladas no país? Amazonas participa com 1,43 a 1,44% do PIB Brasil e os contribuintes domiciliados no estado, pagam cerca de 1,50-1,53 % dos tributos arrecadados no país;

(12) ignoram que a ZFM é a maior, senão única, ação de governo, que funcionou e funciona, com retorno fiscal e âncora ambiental. A Floresta Tropical da Amazônia Brasileira, hoje, tem preservação da ordem de pouco mais de 80% da floresta original, enquanto no Amazonas ultrapassa a 86 a 88%. Porque? ZFM – modelo econômico – indústria de montagem e confinada ao município de Manaus (0,97 % da área territorial do Estado);

(13) Ignorar que o regime de chuvas nas regiões Centro-Oeste e Sudeste dependem, e em muito, da Floresta em Pé e do SAGA (aquífero da Amazônia algumas vezes maior que o Guarani), mostra a necessidade de nossos governantes de estudarem melhor a Amazônia, pois certamente terão a constatação de que Amazônia é o maior ativo (patrimônio) brasileiro e nela está a solução de muitos dos problemas brasileiros. Para concluir é bom lembrar que o Agrobusiness representa quase 25%de nosso PIB e os reservatórios de nossas Hidroelétricas dependem da nossa Floresta.                 

Deixamos para abordar por último o fato recente do pronunciamento do Presidente J. Biden, conclamando os países do G7 a se juntarem a ele na constatação de que precisam contribuir anualmente com dezenas de bilhões de dólares para que o Brasil preserve a Floresta Tropical da Amazônia Brasileira, tão necessária ao bem estar da Humanidade.

Falta o que? O Governo Brasileiro entender que no Bioma Amazônia moram mais de 18,6 milhões de brasileiros que, com seu sacrifício, fizeram a renúncia econômica para a Preservação do nosso maior PATRIMÔNIO. Falta o projeto que prefiro chamar ACORDA BRASIL. Os futuros governadores do Amazonas, a começar do a ser eleito este ano, precisam, de forma urgente e clara explicar e apresentar plano de governo com mudança da matriz econômica de modo a reduzir a absurda dependência dos incentivos fiscais federais e inserir a população dos 61 municípios do Estado no plano.

Este texto expressa a opinião de um amazonense que chega aos 75 anos de idade, constatando que alguns governantes, os maus governantes, transformaram o Brasil, de pais das oportunidades em país das oportunidades perdidas.