O inferno dos impugnados

Eleições 2016 – Partidos com Estatutos definindo prazo de filiação superior à seis meses e a inelegibilidade: Quem fez o inferno dos pré-candidato impugnados ?

Um dos temas filosóficos que mais me interessam é o da intersubjetividade, isto é, as relações entre os indivíduos, a partir da perspectiva do filósofo francês Jean-Paul Sartre.

Vejo claramente alguns pontos dessa perspectiva, tão complexa, e que nos afeta cotidianamente, nas “defesas” de algumas Ações de Impugnacao  de Registro de Candidatura (AIRC), derivadas de filiação partidária intempestiva, notadamente aquelas ocorridas, na empolgação, em 2016, onde o filiado nunca leu o Estatuto Partidário, algo tão obrigatório quanto conhecer a Convenção do condomínio onde se mora; passando por titulares de Diretórios Municipais despreparados, que também não debruçaram adequadamente sobre a matéria e, logicamente, desaguando em Diretórios nacionais que, no momento da reforma eleitoral de 2015, passaram batidos por um “detalhe” crucial à pretensão é ao sonho de milhares de candidatos : o prazo de filiação partidária para disputa de cargos eletivos em 2016 e a redação de seu estatuto.

Há uma frase bastante famosa de Sartre, presente em uma das peças de teatro que ele escreveu, chamada Entre quatro paredes (Huis closno original francês), que pode resumir o ponto de vista do autor sobre a intersubjetividade: “o inferno, são os outros”. À primeira vista, lemos essa frase como um atestado de pessimismo quanto ao sucesso das relações humanas – mas, na minha visão, a coisa não é bem por aí.

Em sua principal obra, O ser e o nada, Sartre aponta que a característica essencial do homem é sua liberdade radical (isto é, o homem é ontologicamente livre, é livre em seu ser). Há um famoso jargão existencialista (movimento filosófico que tinha em Sartre um de seus expoentes), que diz que, no homem, “a existência precede a essência”. Bem resumidamente falando, isso significa que, para um existencialista, o homem primeiro nasce, passa a existir no mundo, e só depois, no decorrer de sua vida, ele constrói algo que possa ser chamado de sua “essência” – aquilo pelo qual identificamos cada pessoa em particular. Essa “essência” se forma, basicamente, pelas escolhas que cada um de nós faz ao longo de nossas vidas (valores, profissão, a forma de se relacionar com os outros, opiniões, gostos, crenças, etc.). Ainda na peça Entre quatro paredes, Sartre afirma que, afinal, um homem “nada mais é do que a soma das escolhas que fez durante sua vida”. É nesse movimento que nossa existência pode ganhar um sentido que, a priori, ela não tem.

Voltando ao Eleitoral, para contextualizar a inelegibilidade dos que não observaram a redação de seus Estatutos Partidários, no tocante ao prazo mínimo de filiação para disputar as eleições 2016, e hoje padecem tentando contestar e/ou recorrer das Decisões que os tornaram inelegíveis, é interessante refletir se o “culpado/errado”, do seu fracasso no registro de candidatura, é mesmo o autor da AIRC, ou Notícia de Inelegibilidade (NI), ou ele mesmo, pela desatenção com seu Estatuto Partidário, em consórcio com os Diretórios Municipal, Estadual e Nacional da sua agremiação partidária, que realmente não acompanharam detalhadamente, como deveriam, a atualização das Leis e Resoluções sobre matéria eleitoral, que, nos últimos 18 meses, vem buscando melhorar o processo e os procedimentos para Eleições .

Os melhores atores do cenário eleitoral, que não são muito por essas bandas, sabem, por exemplo que, houve uma reforma eleitoral promovida pela Lei n. 13.165/2015, e que, essas alterações passaram a valer a partir de 29/09/2015;

Esses mesmos personagens, há muito tempo contratados pelos Candidatos mais zelosos com suas pretensões políticas, sabiam que uma das alterações mais significativas da Reforma Eleitoral, foi a que diz respeito ao prazo de filiação partidária como uma das condições de elegibilidade.

A norma diminuiu o prazo que era de 1 ano para 6 meses de vínculo partidário. É o que consta na nova redação do art. 9º da Lei n. 9.504/97: “Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição.” O tempo de filiação deferida é mínimo. Isto quer dizer que o partido pode fixar tempo superior ao estabelecido pela norma preconizada na lei.

Na Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95), esta previsão está expressa no art. 20: “É facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas a candidatura a cargos eletivos.”

Essa liberdade existe em homenagem ao princípio da autonomia partidária preconizado no art. 17 da Constituição Federal de 1988. Pois bem. Pelo que consta na norma dos partidos, vale repetir ser possível estabelecer um vínculo temporal maior como condição para ser candidato a cargo eletivo. Contudo, o parágrafo único aludido art. 20 preleciona que: “Os prazos de filiação partidária, fixados no estatuto do partido, com vistas a candidatura a cargos eletivos, não podem ser alterados no ano da eleição.”

Ora, nota-se que a liberdade de fixação, pelo partido, de prazo maior de filiação não pode ocorrer durante o ano eleitoral. Logo, se o partido pensar em fixar prazo diferente de vínculo partidário que o faça em anos anteriores ou posteriores ao da eleição que o cargo eletivo que o correligionário pretenda disputar estará em evidência, sob pena da norma partidária ser considerada ilegal.

Nesse contexto, considerando que, para as eleições de 2016, o tempo mínimo de seis meses de filiação partidária já será aplicado (de acordo com o Calendário Eleitoral das Eleições 2016 – Res. TSE n. 23.450/2015 e art. 12 da Res. TSE n. 23.455/2015 – o limite é dia 02/04/2016), os partidos que fixaram em seus estatutos prazo maior e não promoveram a mudança até 31/12/2015 estão vinculados ao prazo estatutário, pois a alteração não pode ocorrer no ano da eleição.

O art. 10 da Lei dos Partidos Políticos determina as alterações programáticas ou estatutárias, após registradas no Ofício Civil competente, devem ser encaminhadas, para o mesmo fim, ao Tribunal Superior Eleitoral.

Na prática, os pretendentes a cargos eletivos municipais em 2016 (prefeito, vice-prefeito e vereador) com filiação a uma agremiação partidária no ano dessa eleição, mesmo seis meses antes do pleito, e o estatuto do partido exija prazo maior de filiação (ex.: um ano), não terão o respectivo registro de candidatura deferido, pois não preencheram uma condição essencial: filiação partidária tempestiva.

Com base no estudo aprofundado da legislação eleitoral, nas informações registradas no TSE,  e analisando a situação atual do tempo mínimo de filiação previsto nos estatutos dos partidos, tivemos muito sucesso diante dos que, verdadeiramente, não se debruçaram com afinco sobre a matéria e, com a correta atuação de Promotores de Justiça e Juízes Eleitorais, via de regra, sempre bem assessorados por servidores de Justiça Eleitoral, todos necessariamente estudiosos do tema, no tocante à Impugnar pedidos dos registros de candidaturas daqueles candidatos que, por negligência e falta de assessoria de qualidade, estavam intempestivos.

Hoje os pedidos de Registro de candidaturas impugnados, em sua maioria, já foram julgados, e vários, estão amarrados à Recursos estéreis, de onde, legalmente, nada poderá frutificar, considerando  o disposto no artigo II do artigo 5o da Constituição Federal, a Lei 9.9096/95 e a Resolução TSE 23.465/2015, que tratam da questão em sintonia com a Lei 13.165/2015, porém, em várias redações raivosas e desprovidas de verdade, tenho notado alguns infelizes se insurgindo contra Advogados, Promotores, Juízes Eleitorais e Servidores da Justiça Eleitoral, pelo insucesso de alguns pré-candidatos, atribuindo-lhes culpa é responsabilidade pelo indeferimento de pedidos de registro de candidaturas, sem apontar os verdadeiros culpados, que são o despreparo e, por via de consequência, a incompetência técnica dos que acham que o processo e o procedimento preparatório das Eleições 2016, é o mesmo das eleições 2012, sem terem estudado o assunto com o tempo e a dedicação necessários para imprimir qualidade no trabalho que realizaram.

Fácil demais querer terceirizar a culpa e a responsabilidade, várias vezes de forma jocosa e desrespeitosa, infeliz, com quem, merecidamente, colhe os frutos do sucesso oriundo do estudo.

Com isso, criam falsas esperanças de ressuscitarem Pedidos de Registro de Candidaturas que já nasceram mortos.

O inferno desses pre-candidatos não nasceu nas AIRC, nas NI, nos Pareceres do MPE ou nas Certidões dos Cartórios Eleitorais, nasceu neles mesmos, nas suas más escolhas, nos seus pseudos-assessores, que preguiçosamente, se esforçam muito mais na dedicação à mentira raivosa do que à trabalhosa verdade do conhecimento técnico verdadeiro, sempre obtido com sacrifício, estudo e dedicação, que são universos onde eles nunca frequentaram.

Como diria Sartre: o inferno são os outros, ou seja, muito mais fácil a calúnia, a injúria e a difamação do adversário, que a autocrítica .

Ricardo Gomes se define como advogado, professor universitário, escritor, estudante eterno e amigo da verdade.

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