Moro nas cordas: por acaso é crime denunciar o criminoso?

Por Eron Bezerra*

Até agora o ex-juiz Sérgio Moro tentava se esconder dos crimes que cometeu tergiversando. Não reconhecia a autenticidade das mensagens ou insinuava adulteração nas mesmas. Agora, comprovado que os diálogos são verdadeiros e foram repassados ao The Intercept Brasil por um militante do DEM, partido que lhe emprestou apoio no golpe, ele está inteiramente desmoralizado.
Mas sua atitude não poderia ser mais previsível. Baseado na sua tradicional truculência, falta de respeito ao contraditório e desapego à democracia, ele tenta inverter a situação. Ao invés de entregar o cargo e pedir desculpas às pessoas que de boa-fé lhe apoiaram, ele prefere atacar os jornalistas que, tão somente, ajudaram a revelar seus escabrosos crimes.

Edita portaria que lhe permite expulsar estrangeiros incômodos – por “coincidência” o editor do Intercept é estrangeiro e incômodo, pelo menos para ele – e ameaça “com alguma cadeia aqui mesmo no Brasil” o jornalista que apenas divulgou os crimes que ele cometeu. Atitude, aliás, endossada de pronto pelo presidente Bolsonaro.

Sua truculência e desapego à democracia não deveria surpreender ninguém. Sempre fez parte de seus métodos de trabalho, como demonstra a ousadia de alguns de seus crimes:

• Grampear e divulgar, ilegalmente, diálogos da então presidenta da república Dilma Rousseff;

• Interferir, mesmo de férias, para impedir que o presidente Lula fosse posto em liberdade,
desautorizando, inclusive, o despacho de um desembargador – é como se o sacristão desautorizasse o padre – que havia determinado a libertação de Lula baseado no fato de que nos autos do processo não havia prova material que justificasse a condenação do acusado, como, aliás agora se pode comprovar a partir do diálogo entre eles (juiz, procurador e agentes da polícia federal) combinando procedimentos;

• E a mais recente. Acessou os diálogos (provas sob sigilo) e revelou aos demais “invadidos” que havia algo grave nas conversar para, em seguida, tranquilizar a todos adiantando que iria destruir as provas, mesmo sem ser o juiz da questão. Claramente buscava fazer chantagem e obter proteção solidária para seus crimes. Foi rechaçado.

As conversas podem até ser graves, mas nada é mais grave do que se saber que um juiz manipulou processos para impedir que o povo escolhesse livremente seu presidente. E que assim agiu movido pelo mais vil e primário fisiologismo pecuniário, pelo qual foi recompensado com um emprego de ministro de estado e a promessa de uma vaga no STF.

E o procurador não se fez de rogado. O mesmo agente público que criminalizava a tudo e a todos, incluindo doações eleitorais oficialmente declaradas, se dava ao desfrute de receber mais de 30 mil reais, além de mimos adicionais, para fazer palestras para empresas citadas na própria operação lava-jato. Esse dinheiro era sujo?

O que falta para o descarte do estorvo Moro?

Sua arrogância não tem limites, mas o fato concreto é que ele se tornou um estorvo, tal qual Eduardo Cunha (MDB, RJ) após cumprir seu papelão no golpe. Ele arrastou muita gente para o crime, como forma de criar um escudo de autoproteção, mas seu espectro passou a assustar e incomodar muita gente, por isso o seu descarte é questão de tempo.

Porque, por outro lado, a sabedoria popular nos ensina que “ninguém engana a todos o tempo todo”, cuja simplificação literária traduz a complexidade dialética ao demonstrar que na natureza, como na sociedade, todos os fenômenos estão interligados, interconectados, interdependentes e, portanto, em constante movimento, transformação e evolução. Nada é eterno, tudo é finito.

Até quando oh Catilina abusarás de nossa paciência?

Mas até quando se vai assistir, passivamente, Moro fazer estripulias, rasgar a constituição, fazer chantagem aberta contra autoridades ao revelar que tinha acessado suas conversas privadas, armar e tramar processos para eliminar adversários e favorecer aquele que lhe assegurou um emprego e prometeu um cargo de ministro do STF?

Até quando a sociedade, o movimento popular e, especialmente, as instituições de estado assistirão passivamente esse festival de horrores e escárnio à nossa democracia?

Se algo de enérgico não for feito para recuperar o estado democrático de direito, ninguém deverá ficar surpreso se a passividade aparente for substituída por explosões massivas sem qualquer controle.

Aos poucos a sociedade começa a ser tomada pela sensação de que foi ludibriada, manipulada por falsos moralistas, e tenderá a reagir a altura. Até mesmo porque ela sabe que, como regra, todo corrupto costuma fazer do “combate à corrupção” a base de sua plataforma “moralista”, com a qual manipula incautos e alimenta a pauta dos “escribas de aluguel”. A propósito, alguém lembra de muito dos paladinos da “ética na política” ou do ex-senador e procurador do Ministério Público de Goiás, Demóstenes Torres (PFL/DEM), o arauto da ética de botequim?

Isso se pratica, não se faz proselitismos. Deve ser uma regra de conduta, não bandeira política. Quem faz disso plataforma, como regra, tem segundas intenções.

*O autor é professor da Universidade Federal do Amazonas, doutor em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia e ex-deputado federal e estadual pelo PC do B