A moça que lia a Bíblia para um comunista

*Por Carlos Santiago

Ela tinha 17 anos de idade e era religiosa desde criança. Alta, cor de canela, lábios fartos, sorriso de mulher satisfeita e com cabelos negros encaracolados. Era geniosa quando debatia ideias sobre a vida e, tinha um coração amoroso que lhe fazia derramar lágrimas dos olhos quando falava de amor.

Eu, já estava com 25 anos de idade, tinha o ideário comunista como crença. Parte do rosto engolido pelas acnes, professor e adorava conversar sobre leituras e escrever poesias.

Fomos apresentados numa reunião de família. Pedi-lhe pra namorar, surpreendentemente, ela aceitou. Não tínhamos nada em comum. Nem a idade, nem a religião, nem a cor, nem a beleza e nem as leituras.

Mas adorávamos ficar juntos: quando aconteciam os beijos escondidos; e quando ela lia a bíblia pra mim. Os beijos foram saborosos e indescritíveis.

Na leitura da bíblia, ela me apresentou um Jesus Cristo dos pobres, um Deus que defendia a comunhão entre os homens e também a luta dos seus seguidores para criar um mundo justo. Assim, lembrava-me do ideal de sociedade sem injustiça, sem exploração, sem preconceitos e de um mundo de comunhão, ideais tão defendidos pelo Manifesto Comunista (1848).

O namoro acabou e seguimos caminhos diferentes. Há acerca de 12 meses, por acaso, nos reencontramos depois de 25 anos, num fórum de justiça, em Manaus. Ela, sorridente, me cumprimentou com um abraço cheiroso e, dias depois me enviou uma poesia linda de agradecimento pelas emoções passadas e pelas nossas conversas sobre cristianismo e comunismo.

Então, quem disse que a vida não pode ser um encontro bonito e marcante de pessoas tão diferentes?

*O autor é sociólogo, advogado e analista político.