A cantada que me levou ao altar

Por Carlos Santiago*

Não é fácil explicar o término de uma relação tão amorosa, ainda mais quando é recente e envolve admirações intermináveis. Mas não dá para esquecer a “cantada” que me levou ao altar. Hoje acordei pensando nisso…

Há onze anos, na saída da sala de aula do mestrado, na Ufam, ouvi uma chamada de voz: “oi, Carlos, preciso falar contigo”. Era uma amiga meiga que sempre estava me ajudando nas disciplinas do curso, em especial, na parte de matemática, área do conhecimento humano tão difícil aos sociólogos. Eu parei, ela se aproximou, olhou pra mim e disse sorrindo: “sei que tu estás sozinho e eu gostaria de namorar contigo, pois amo você”.

Fiquei até atordoado com a declaração. Não imaginava aquela pessoa que eu sempre dividia leituras e conversas sobre a situação da política, além de segredos quase inconfessáveis, estava ali expondo que me amava. Era uma mulher de beleza amazônica, falava com sorriso, cheiro gostoso, educada e muito inteligente. Mas guardava nas mãos as marcas de uma infância pobre e de retirante, vinda do interior para estudar e para isso, precisava fazer serviços domésticos.

Então, meio bobo, sem saber bem o que falar, disse-lhe que não estava pensando em ter nova relação naquele momento, porque tinha acabado de sair de um namoro cheio de conflitos, envolvendo ciúmes e intolerância….

Posterior as minhas palavras tolas, com tom sincero, a minha amiga falou: “eu não tenho nada. Nem emprego e nem o dinheiro para pagar o ônibus hoje, porque a minha vida foi gasta pra ajudar meus pais e criar meus irmãos. Não me sobrou tempo. Agora quero cuidar um pouco de mim, mas quero começar contigo”.

Após ouvi-la, fiz uma despedida decente, saí pelo corredor, quase correndo devido a um compromisso profissional. Mas aquelas palavras ditas de coração ficaram na minha mente. Passei a noite pensando naquilo. Os dias foram acontecendo e as palavras não saiam de dentro de mim…

Um mês depois, resolvemos conversar. Fui a sua residência. Ela morava no quarto andar de um prédio. E lá, debaixo, gritei seu nome. Dezenas de moradores apareceram nas janelas dos apartamentos, em uma delas, a minha amiga apareceu.  Quando me viu, desceu como um foguete, com apenas um notebook nas mãos.

Ela me abraçou…! Um abraço que me fez sentir um menino protegido e também um homem amado e amando. Levei-a pra minha casa. No dia seguinte, acordei às seis e meia da amanhã, e não a vi na cama, nem nos quartos, não estava dentro de casa. Fui ao quintal e ela estava lá aguando as plantas que tanto adoro.

Pois bem, noivamos e casamos. Ela passou no concurso para docente da Ufam, foi morar numa cidade distante, fez doutorado e tem uma bela carreira profissional. Nesse período, ficamos separados não só pela distância, mas também porque nos envolvemos na construção de nossas carreiras de trabalho e até em atividades sociais.

 Resultado: esquecemos de nós, veio a separação, pois nem sempre um bom curriculum profissional gera felicidade e nem relacionamentos duradouros ou amor eterno.

Uma separação não significa o fim de sentimentos amorosos e de admirações. Por isso, nunca esqueci da cantada sincera que me fez casar.

*O autor é sociólogo, cientista político e advogado.