De quem é esse retrato falado?

Por José Ribamar Bessa Freire*

A Polícia costuma construir retratos falados de ladrões de galinha, mas quase nunca daqueles que usam terno, gravata e colarinho branco. Pensei em traçar aqui o retrato falado dos ex-governadores Aécio Neves ou Sérgio Cabral em homenagem à Operação Lava Jato que conseguiu, pelo menos, transferir as fotos de alguns delinquentes das colunas sociais e da editoria política para a página policial.

No entanto, mudei de ideia, por causa da eleição fora de época para governador. Como o retrato é de alguém que frequenta a mídia, espero que o (e) leitor o reconheça, de acordo com as características aqui apresentadas. Quem acertar antes de ler o oitavo parágrafo, ganha como prêmio uma viagem de ida para Eirunepé no motor da linha.

Anota aí:
1) Trata-se de alguém cujo nome – bem, não vale dizer o seu nome agora – mas podemos adiantar que ele incorporou na pia batismal o nome do Estado em que nasceu. O seu sobrenome começa com a letra “m”. Quando se apresenta e diz seu nome completo é obrigado sempre a pronunciar a sílaba “má”, indicadora das estripulias que vive armando. Armando mesmo.

2) A pessoa cujo retrato é aqui falado já foi, mais de uma vez, prefeito da capital, mas em vez de cuidar dos problemas da cidade, filosofou: “Égua, farinha pouca, meu pirão primeiro”. Aí, usou o cargo pra se arrumar na vida. Enquanto milhares de eleitores vivem em situação de extrema miséria, numa sociedade exacerbadamente pobre, ele construiu uma mansão escandalosamente rica, cinematográfica, numa região nobre da cidade, com piscina climatizada, jardins, quadra de esporte, pista de Cooper, suítes, salões de jogos e de festas e oscambau a quatro.

3) Esse fato, por si só, serve para desmascará-lo. Tentou voltar à Prefeitura, mas foi derrotado. Contratou marqueteiros e montou máquina de propaganda para esconder da população como construiu sua fortuna pessoal. Além de prefeito, governou o Estado mais de uma vez, realizando obras públicas de fachada, o que lhe permitiu fingir ser alguém que trabalha muito. Aparece nas fotos, sempre suado, com capacete na cabeça, como um mestre-de-obras, no meio de tratores. Sempre sorridente. Como ator, ele usa a máscara de empreendedor, de trabalhador, de realizador operoso.

4) Construiu obras superfaturadas. Vários documentos – com nomes, dados e assinaturas – comprovam remessa ilegal de dinheiro para paraísos fiscais, duvidosas operações de câmbio e depósitos em contas no exterior. Os extratos bancários das remessas já foram fotografados e divulgados pela mídia. Existem denúncias do Ministério Público Federal contra ele, acusando-o de compra de votos, fraudes em licitações e remessa ilegal de dólares. Nada aconteceu, porque como declarou em uma rádio “compra-se juiz, desembargadores e procuradores”. Está gravado. No horário eleitoral na tv, para não perder o hábito, ele rouba a cena, e nega, nega sempre, nega tudo, nega em todo lugar, jurando que os documentos são falsos, que a acusação é calúnia de inimigos políticos.

5) Muitas pessoas, inclusive personalidades públicas, sabem que ele está mentindo e que saqueou os cofres públicos. No entanto, combinam o parágrafo “c” – trabalho, trabalho e trabalho, com o parágrafo “d”, e aí revitalizam a antiga imagem do folclore político nacional: “Ele rouba, mas faz”. Ressuscitam, assim, o cínico slogan populista de Ademar de Barros, velha raposa dos anos cinquenta. Tem gente que o admira, tem gente até que morre de inveja dele, considerando-o “muito esperto”, porque apesar de todas as evidências, conseguiu escapar até hoje do xilindró.

6) Os adversários dizem que se ele ganhar a eleição, depois de todos esses anos de jejum, vai vir com uma fome voraz e descomunal sobre os cofres públicos. Quer usar o mandato de governador para isso. Mas ele nega, nega tudo, sempre balançando a cabeça. Jura – que Santa Luzia o cegue – que quer ser governador outra vez para trabalhar, para atender mães pobres, para resolver os problemas de transporte e saúde (que não resolveu nas vezes anteriores). Nada diz sobre processos de crimes de que é acusado contra a lei de licitações, contra o sistema financeiro nacional e contra a ordem tributária, conforme Ação Penal nº 2007.32.00.007742-0 da 2ª Vara da Justiça Federal.

7) O retoque final ao seu retrato é uma pista inconfundível. ELE É UM TREMENDO CARA-DE-PAU. Os jornais exibem provas de corrupção, os promotores esfregam os documentos em sua cara, encontram recibos de depósitos nas Ilhas Jersey assinados por ele com propinas de obras superfaturadas. Mas o cara é sem-vergonha, continua impávido, como se não tivesse nada a ver e ainda se diz perseguido político. Reclama, com seu carregado sotaque paulistano, de filho de imigrante libanês: “Quem descobrir conta minha no exterior, pode ficar com o dinheiro”.

8) Êpa! Peraí! Isso eu não sabia. Filho de libanês? – pergunta o (e) leitor, mergulhado em grande confusão. Então não foi ele que ficou com o dinheiro ganho, em 1972, na Loteria Esportiva pelo pedreiro Antônio Alves do Carmo?

Realmente, esse Paulo Salim Maluf não tem jeito não. Não se emenda, fez tudo isso, menos enganar um pedreiro. Seus escrúpulos não permitem. Quer se candidatar outra vez a governador para substituir Alckmin. Esse Brasil é muito igual, de São Paulo ao Amazonas.

P.S. Crônica publicada em 05.09.2004 e reatualizada com ligeiras modificações.

*Artigo publicado originalmente na edição de hoje do jornal Diário do Amazonas

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