CPC/2015: é mesmo diferente? quais as principais novidades? Estamos (realmente) prontos?

Como Advogado militante, professor universitário e eterno estudante entusiasta do Processo Civil, acompanhei a tramitação desde o Projeto do  Novo Código, embrionariamente a partir de 1º/10/09 (data da assinatura do ato que criou “comissão para elaborar o anteprojeto de lei de um novo Código de Processo Civil”), e com profundidade desde 2013 até o  dia 17/12/14, com a aprovação do texto final do PL 166/10 pelo Senado.

A meu ver, filiando-me à correntes do Centro Oeste, principalmente aos colegas que tem uma visão particular do Processo Eletrônico, o CPC-2015,  poderia ter avançado muito, não só no Processo virtual e suas milhares de vantagens para a celeridade da prestação jurisdicional e do controle dos atos processuais, mas em diversas matérias.

Mas há um lado que tem preocupado muito, não só a mim, mas a OAB-AM, na pessoa do seu Presidente: a necessidade evidente de que precisamos oferecer mais treinamento sobre o Novo CPC-2015, mais debates, mais oficinas de Prática Forense, e, por extensão cobrar das Faculdades mais engajamento nesse sentido, não apenas pensando no Exame da OAB, nem tanto assim nos Advogados, mas, fundamentalmente no Cidadão que nos contrata, que nos entrega não apenas demandas e honorários, mas fundamentalmente suas expectativas, e, à reboque, família, empresas, patrimônio, crendo que estamos todos absolutamente preparados de forma adequada para o que já estava programado para acontecer há seis anos.

Particularmente nas minhas andanças, não me sinto absolutamente seguro para dizer “… SIM, as Faculdades de Manaus se prepararam, vem oferecendo oficinas, mudaram toda sua formulação em Processo Civil, investiram nos Professores, como multiplicadores, reprogramaram seus escritórios modelos, e estamos prontos…”, honestamente, esse  é um dos momentos em que a gente torce, por mais incrível que pareça, para não ter razão.

Tenho dúvidas se todos os serventuários da Justiça também estão preparados como deveriam estar, vi poucos treinamentos, poucas feras do Processo Civil passaram por aqui, considerando que somos a 6ª cidade em renda per capta do país, observei cidades com menos população e renda mais aplicadas em adequar seus operadores jurídicos.

Penso ser fundamental o reconhecimento desse “problema” agora, enquanto ainda seja possível uma intervenção tempestiva e conjunta da OAB, das Faculdades, do TJ, do MP, para que todos nós possamos deixar nossa população totalmente tranquila e bem assistida, e, temos profissionais de excelência em Processo Civil por aqui, cruzei com alguns por aí, mas confesso, bem menos do que esperava e em número insuficiente para me tranquilizar.

Por conta desses já citados cursos e participações em treinamentos de prática forense, fiz algumas anotações, que divido aqui neste espaço, algumas anotações das principais alterações do Novo CPC:

A – Criação de uma audiência obrigatória de “conciliação e mediação” antes da apresentação de contestação pelo réu – o que pode resultar na efetivação de acordos; mas, também, propiciará uma ferramenta para protelar o processo, para o réu mal intencionado (o que não poderá ser presumido pelo magistrado, para fins de aplicação de penalidades);

B –  Citação do réu sem contrafé, nas ações de família, mas para que compareça à tal audiência – inovação que seguramente será arguida como inconstitucional, por violar a ampla defesa;

C –  A possibilidade de o juiz redistribuir o ônus da prova, no que pode ser denominado de “ônus dinâmico da prova” – o que já vem sendo aplicado por alguns juízes, mesmo sem base legal, mas o NCPC estipula que isso deve ser informado pelo juiz;

D  – As novas obrigações quanto à fundamentação da sentença, impondo ao magistrado que aprecie, tópico por tópico, todos os argumentos levantados pelas partes (ainda que absolutamente impertinentes), sob pena de nulidade – dispositivo já objeto de preocupação de diversos magistrados, considerando as dificuldades e maior tempo para que assim se proceda;

E – mudança nos limites da coisa julgada, não mais existindo a ação declaratória incidental, pois a questão prejudicial será coberta pela coisa julgada, independentemente de pedido das partes – no que, para mim, é uma das piores inovações do NCPC, pois trará insegurança para as partes e a possibilidade de uma simples causa se transformar, no decorrer da tramitação, em um processo de grande relevância;

F – determinação de julgamento das causas em ordem cronológica, ou seja, em tese não sendo possível o julgamento de uma simples ação de indenização se ajuizada posteriormente a um complexo processo coletivo – dispositivo candidato a ser dos primeiros a “não pegar”;

G – O  combate à terrível jurisprudência defensiva, buscando realmente que o Judiciário se preocupe com o mérito e não com questões formais menores, na admissibilidade dos recursos – ainda que o NCPC esteja atrasado em relação a determinados aspectos já modificados pela jurisprudência dos tribunais superiores;

H –  A tentativa de estabilização da jurisprudência, com o maior respeito aos precedentes por parte dos tribunais e juízes, sendo esse, no meu entender, um dos principais pontos positivos do NCPC – ressaltando, contudo, tratar-se muito mais de um problema cultural que legislativo;

I –  Ainda para dar mais segurança ao sistema, possibilidade de modulação dos efeitos das decisões judiciais, especialmente no caso de mudança de entendimento jurisprudencial, algo que já é realizado pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade, mas que ainda encontra resistência nos demais tribunais – tratando-se, portanto, de uma saudável inovação;

J – A criação do incidente de coletivização das demandas, que é a possibilidade de o juiz poder converter uma causa individual em coletiva, ao verificar a amplitude do tema debatido nos autos – o que me parece altamente nocivo ao autor e ao sistema, pois o juiz deixa de ser parte imparcial para praticamente se tornar advogado em favor do autor*;

K – A criação do incidente de resolução de demandas repetitivas, para que causas massificadas sejam julgadas pelos tribunais (exato, em tese cada tribunal pode julgar seu IRDR, e em sentidos inversos) e, a partir daí, sirvam como precedente para os demais – ferramenta que encontrará um grande ponto de conflito com o processo coletivo;

L – A unificação do processo cautelar e da tutela antecipada, com o fim do processo cautelar autônomo e de cautelares específicas muito utilizadas no cotidiano forense (arresto e sequestro) – acredito que essas cautelares patrimoniais continuarão a ser utilizadas no cotidiano forense, com os mesmos requisitos hoje existentes (como vimos com a imissão de posse, prevista no CPC39, não no CPC73 e até hoje presente no cotidiano forense);

N – A contagem dos prazos processuais somente em dias úteis, o que é apontado como uma grande vantagem por permitir “fim de semanas e feriados” aos advogados – contudo, considerando os diversos feriados estaduais e municipais, essa vantagem poderá se tornar uma desvantagem e acarretar prejuízos aos advogados, sendo que uma solução mais simples seria simplesmente aumentar os prazos e prosseguir com a mesma forma de contagem de hoje;

O – A possibilidade da penhora de salário acima de 50 salários-mínimos – ainda que elevado o limite a partir do qual possível a constrição (especialmente para padrões brasileiros), no meu entender a melhor inovação do NCPC, ao quebrar o dogma da absoluta impenhorabilidade de salários e vencimentos no direito processual brasileiro, regra anacrônica que não encontra paralelo em outras codificações modernas (esperamos que o dispositivo não seja vetado – como já ocorreu em 2006, quando dispositivo análogo e melhor foi vetado);

P – A criação de honorários recursais, ou seja, imposição de honorários além dos fixados em 1º grau – o que é positivo em relação a matéria pacificada, mas onera indevidamente o litigante quando a situação jurisprudencial ainda esta indefinida;

Q – A mudança dos Honorários Advocatícios contra a fazenda pública, com a diminuição e escalonamento dos honorários em relação aos entes estatais, conforme o valor da causa (com mínimo podendo ser de 1%, enquanto para o particular sempre é 10%) – aumentando e não diminuindo as distinções processuais entre o Estado e os particulares;

R –  Honorários Advocatícios previstos como crédito alimentar do advogado – como recentemente reconhecido pelo STJ na recuperação judicial;

S – O fim da admissibilidade do REsp e do RE na origem, de modo que, interposto o recurso para Tribunal Superior, ele será imediatamente remetido para o STF ou STJ – o que, na minha visão, exatamente no sentido oposto ao do NCPC, estimulará mais interposição desses recursos, pois o advogado saberá que o seu REsp ou RE será analisado por alguém em Brasília;

T – O  fim dos embargos infringentes, mas inserção de uma técnica de julgamento em que novos magistrados serão chamados se houver decisão por maioria, independentemente de manifestação das partes – o que se de um lado permite maior debate no Tribunal, do outro trará uma série de problemas burocráticos no cotidiano forense, que podem até mesmo desestimular a divergência pelos magistrados;

U – A criação do negócio jurídico processual, ou seja, a possibilidade de as partes, de comum acordo, alterarem o procedimento para a tramitação do processo – dispositivo que, creio, será pouco utilizado e principalmente adotado quando tivermos processualistas defensores do tema dos dois lados da demanda. Afinal, se não há consenso quanto ao mérito (o conflito em si), haveria consenso – além de disposição e tempo para debater o assunto – em alterar o procedimento? Em poucas causas, complexas, pode até ser aplicado, mas não o será na maior parte das demandas.

Concordo com o Professor Luiz Dellore, da PUC/SP, quando diz, com propriedade, que “…o momento é de conhecer as inovações e buscar a interpretação que melhor atinja o objetivo de celeridade, efetividade e segurança.”, mas, me atrevo a acrescentar uma observação, no sentido de que, se, para ele, com décadas de experiência, Mestrado e Doutorado em Processo Civil, e uma prática diária na Advocacia, além do Magistério e a publicação constante de artigos e obras sobre a disciplina, permanece a indubitável necessidade de um estudo profundo e continuo do Processo Civil, já que é ferramenta indispensável ao Operador Jurídico, qual será nossa postura, vivendo uma realidade acadêmica, literalmente, tão distante, em todos os sentidos, dos maiores Processualistas do país, que suponho, sejam a bússola de todos os que querem o crescimento e o reconhecimento profissional, e como consequência natural, clientes adequadamente atendidos, satisfeitos e porta-vozes das nossas Ações (aqui em triplo sentido) ? Buscarmos a mesma formação, o mesmo treinamento (constante), com a mesma dedicação que eles, para que não permaneçamos meros expectadores de um fato que pouco se reconhece e menos ainda se debate ou é enfrentado: Os Advogados “de fora”, (merecidamente pelo seu esforço e empenho acadêmico), serem contratados nas maiores causas do Amazonas, basta olhar o site do STJ, STF, TST tomando por base o nome das 50 maiores empresas do Pólo Industrial ou das Empresas comerciais de grande vulto.

Encarar esse desafio é pauta para a OAB-AM, que já dectou a situação e projeta, em curto prazo, influenciar fortemente a conscientização dos Profissionais, dos Operadores em geral, das Faculdades e da Ecola Superior da Advocacia; e esse é um desafio plenamente factível de superação, sem procurar culpas ou culpados no passado, mas, olhando para a frente. Profissionalmente já perdemos muito por não admitir nem enfrentar a questão, porém há sinais claros de que, uma nova geração já entendeu uma máxima simples, do setor rural, dita como Provérbio na China: Plantar (algo bom ou ruim, como a inércia) é opcional, mas colher é obrigatório.

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Ricardo Gomes

Advogado, Professor Universitário, Escritor

Representante da OAB-AM no Rio Preto da Eva-AM

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