CNJ critica, em relatório e em pronunciamento da presidente, gastos com presos no Amazonas, o maior disparado do país

Brasília – A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal  (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disse que o gasto por preso do Estado do Amazonas é um dos maiores do País. “O preso do Amazonas é um dos presos mais caros do País, hoje. Está custando, em média, R$ 4,9 mil por mês, sendo que, em São Paulo, o valor é de menos de R$ 2 mil por mês”, disse a ministra.

A afirmação da ministra foi feita na última reunião do CNJ, quando foi apresentado o relatório sobre a crise penitenciária na Região Norte do País apontando que o Amazonas não sabe, sequer,  ao certo, o total de presos encarcerados no Estado. De acordo com os primeiros resultados de um grupo de monitoramento e fiscalização para apurar as condições das prisões após a série de rebeliões ocorridas nos Estados do Norte do Brasil, no Amazonas o controle do contingente detentos é feito pelo mesmo grupo empresarial dono da empresa Umanizzare, responsável pela administração dos presídios.

“A Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas não tem nenhuma ideia do número de presos porque não detém um sistema onde isso é apurado”, disse o conselheiro do CNJ, Rogério Nascimento, que esteve no Amazonas para inspeção das condições carcerárias do local. “No Amazonas quem mantém o sistema (que contabiliza os presos) é uma empresa de informática do mesmo grupo empresarial da Umanizzare, que faz o manejo dos presos. O que a secretaria recebe é uma planilha. Como se chegou àquela planilha, como são compilados os dados que alimentaram a planilha, não se tem nenhuma confiabilidade”.

Em relato apresentado ao plenário do CNJ sobre as inspeções feitas pelo grupo de monitoramento no Amazonas, o conselheiro disse que o Tribunal de Justiça do Amazonas tem dificuldade de dizer o número de processos de execuções penais porque o Amazonas tem três sistemas diferentes que não conversam entre si.

“Um dos responsáveis pelas mortes na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal, que é um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Estado, foi libertado nesse mutirão do começo do ano, por excesso de prazo no processo provisório a que respondia na capital, apesar de ter sido preso e condenado no interior do Estado. É um exemplo prático das consequências nefastas da falta de comunicação dos sistemas”, disse o conselheiro.

Para Nascimento, além das péssimas condições dos presídios do Estado, a superlotação e a fragilidade do sistema prisional, a crise que resultou no massacre ocorrido na madrugada do primeiro dia deste ano no Complexo Penitenciário Anísio Jobim é motivada pela situação da “criminalidade organizada no Estado”.

“O que todos elementos indicam é que essa situação não é algo que se explique apenas pelas condições dos presídios propriamente dita, mas sim pela disputa de território de organizações criminosas no contexto de segurança pública e não penitenciária, que acabou repercutindo dentro da cadeia”, disse Nascimento.

Conforme dados levantados pelo grupo de monitoramento com autoridades amazonenses, em 2015, o Estado repassou R$ 199,9 milhões à empresa que faz a “cogestão” do sistema. No ano passado, o repasse saltou para R$ 326,3 milhões. Com isso, a Umanizzare, empresa responsável pela administração de cinco das 12 unidades prisionais do Estado, é a empresa que mais recebe recursos do Governo do Amazonas.

Segundo o CNJ, o modelo de cogestão do sistema prisional, em que o Estado divide com a iniciativa privada a gestão do sistema, funciona desde o ano 2000. Apesar do colapso, o governo do Estado prorrogou o contrato com a Umanizzare por mais um ano, sem licitação.

Para tentar melhorar o acompanhamento do sistema prisional no País, a ministra Cármen Lúcia disse que o CNJ está trabalhando desde outubro na elaboração de um cadastro nacional de presos, uma iniciativa inédita. “Temos situações extremamente graves (pela falta de informações)”, disse a presidente do CNJ.

RELATÓRIO

O conselheiro Rogério Nascimento apresentou esta semana os primeiros resultados do trabalho do Grupo Especial de Monitoramento e Fiscalização (GEMF), criado há uma semana pela Portaria n. 13/2017 para apurar o quadro crítico em que se encontram as prisões do Norte do país. Ao lado da juíza coordenadora do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Maria de Fátima Alves, o conselheiro Nascimento passou parte da semana passada em Manaus/AM, onde foram ouvidos representantes dos órgãos que lidam com o sistema penitenciário amazonense. Os relatos demonstram a precária situação das prisões do estado.

As informações colhidas na viagem a Manaus apontam que apesar da manutenção do sistema prisional ser cara, a infraestrutura ainda apresenta defeitos crônicos. A segurança nas prisões é ineficiente e as fugas têm sido frequentes nos últimos meses. No Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), principal complexo prisional do estado, onde chove pelo menos nove meses no ano, falta água para os cerca de mil homens que cumprem pena ou aguardam julgamento. O conselheiro descreveu ainda problemas de tecnologia da informação que comprometem o sistema informatizado de acompanhamento das penas.

A parceria público privada responsável pela administração prisional no Amazonas (também chamado de cogestão) representa uma despesa milionária para a sociedade amazonense. De acordo com o relatório de prestação de contas do estado ao tribunal estadual de contas, o governo do Amazonas desembolsou R$ 326,3 milhões em 2016 para cumprir o contrato de cogestão prisional com a empresa Umanizzare. Para gerir cinco das 12 unidades do sistema prisional do estado, que tem cerca de 10 mil presos, a companhia se tornou a principal recebedora de recursos do estado do Amazonas.

“O preso do Amazonas é um dos presos mais caros do país hoje. Está custando, em média, R$ 4,9 mil por mês, sendo que, em São Paulo, o valor é de menos de R$ 2 mil por mês. É o que o conselheiro Rogério afirmou: dizem que é cogestão”, afirmou a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Cármen Lúcia.

Infraestrutura deficiente – Apesar do contrato milionário, falta água nos prédios do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), que concentra as principais unidades prisionais do estado. A informação foi obtida pela coordenadora do DMF/CNJ, juíza Maria de Fátima Alves, em reunião com a Pastoral Carcerária do Amazonas. A falta de segurança dentro das casas prisionais é traduzida na quantidade de presos que fugiram das cadeias de Manaus: 119 apenas na rebelião do Compaj, em 31 de dezembro passado, e nos, pelo menos, 60 assassinatos ocorridos em três unidades prisionais de Manaus.

Falta de comunicação – A Justiça criminal do estado também requer uma ampla reformulação para integrar os três sistemas de tramitação eletrônica de processos por meio dos quais os juízes acompanham o cumprimento das penas nos presídios amazonenses. A deficiência ficou exposta em um mutirão realizado no início do ano para verificar a necessidade de prisões provisórias (antes do julgamento do crime).

De acordo com o relato do conselheiro Nascimento, o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) tem dificuldade de dizer sequer o número de processos de execuções penais porque o Amazonas tem três sistemas diferentes que não conversam entre si. “Um dos responsáveis pelas mortes na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal, que é um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) no estado, foi libertado nesse mutirão do começo do ano, por excesso de prazo no processo provisório (pré-julgamento) a que respondia na capital, apesar de ter sido preso e condenado no interior do estado. É um exemplo prático das consequências nefastas da falta de comunicação dos sistemas”, disse o conselheiro.

Em reunião com o Ministério Público, promotores e procuradores públicos manifestaram “grande preocupação” em relação ao mutirão, segundo o conselheiro Nascimento. Embora não se saibam exatamente quantos presos provisórios tenham sido libertados para aguardar julgamento em liberdade (estimado entre 400 e 1.000), o número de flagrantes em fevereiro aumentou cerca de 400% em relação ao mesmo mês no ano passado. “Embora não se possa estabelecer relação direta entre esse aumento percentual, a soltura de presos e o número de presos não recapturados, que é expressivo, é algo que precisa ser refletido”, afirmou o conselheiro Nascimento.

Sem perspectiva – Outros encontros realizados ao longo da semana indicaram a complexidade do problema carcerário do Amazonas. Apesar do alto custo de manutenção, o secretário estadual de Administração Prisional, Cleitman Coelho, afirmou que não há perspectiva de se mudar o regime de cogestão das prisões amazonenses. “O contrato com esta empresa foi inclusive renovado por mais um ano, sem licitação, em fevereiro de 2017”, disse Nascimento.

Na visita realizada ao Compaj, a comitiva do CNJ foi impedida de chegar às áreas de convivência de detentos. Devido ao confronto na segunda-feira (6/3) entre polícia e presos durante revista nas celas, o clima estava muito tenso. Na ocasião, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional Amazonas, foram impedidos de acompanhar a operação, em que 47 presos foram feridos. A inspeção, feita pela Polícia Militar com apoio da Brigada de Infantaria de Selva do Exército, também resultou na apreensão de dois rádios, 33 celulares, 45 barras de ferro, 11 facões e 21 estoques (facas artesanais), segundo o relato do GEMF.

Ao todo, cinco presos foram ouvidos, no entanto dois deles cumprem pena no Compaj e integram a facção Família do Norte. Os outros três deles vivem na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal e atuam pelo PCC. Dois deles sobreviveram aos massacres vivenciados desde o fim do ano passado, resultado da guerra entre as duas facções. A matança vitimou ainda cinco presos indígenas do Compaj. “Eles morreram pelo simples fato de serem indígenas. Não é algo que possamos desprezar”, afirmou o conselheiro Nascimento.

O relato foi feito em cumprimento a determinações do STF ao CNJ, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, para interromper as violações cometidas contra a população prisional. A presidente e ministra Cármen Lúcia afirmou que vai levar o relato ao conhecimento do Plenário do STF nesta quarta-feira (15/3).

Com informações da assessoria do CNJ

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